Empresário do Porto quer criar Museu do Estuque

Dedicado a uma arte decorativa que teve o seu apogeu nos séculos XVIII e XIX e que volta a ser estudada

Pergunta de algibeira: o que têm em comum o Convento de Cristo, em Tomar, o Palácio da Bolsa, no Porto, e o Palácio da Pena, em Sintra? Resposta: para além de serem edifícios que compõem o imaginário patrimonial português, possuem todos ornamentos decorativos em estuque.
Conseguido a partir do mesmo sulfato de cálcio que origina a cal, o estuque está, apesar do actual desinteresse, indelevelmente presente em alguns dos mais especiosos ornatos da arquitectura portuguesa e poderá vir a ser objecto de um museu. Esta é, pelo menos, a intenção de Paulo Ludgero de Castro, um empresário do Porto que, há 11 anos, tem à sua guarda o espólio de uma das mais importantes oficinas de estucadores do país, a Oficina Baganha, responsável por algumas significativas obras de estuque do Porto. "Esta colecção é da cidade e não está abandonada. Tem vindo a ser estudada e creio que poderá interessar a muita gente", considera o autor da ideia.
Secunda-o Miguel Figueiredo, que está a preparar um mestrado nesta área e considera que "esta vertente artística tem estado esquecida e desprezada, em detrimento da talha e do azulejo". "Mas é uma arte que nos distingue", assevera.
Após contactos informais com várias instituições (Instituto Português de Museus, Instituto Português do Património Arquitectónico, Comissão de Coordenação do Desenvolvimento da Região Norte e Câmara do Porto), "para sondar a opinião", Ludgero de Castro já percebeu que "as circunstâncias do país não permitem um grande investimento público" no seu projecto.
Ainda assim, e na impossibilidade de adquirir um espaço suficientemente grande para expor toda a colecção, o empresário já adquiriu dois edifícios, no Porto e em Lisboa, onde pretende sediar os dois centros interpretativos de um museu que será essencialmente virtual.
"Podia estar sossegado, mas quero disponibilizar a colecção a toda a gente, pois é uma ideia que liga bem com o conceito de turismo cultural de que o país precisa. A colecção permite servir de ponto de partida para conhecer o país, a arte e as influências que fomos sofrendo", diz Paulo Ludgero de Castro. Sem apoios, a concretização do projecto demorará mais tempo. A saída poderá estar, adianta, na criação de uma fundação, na qual se juntem algumas empresas "preocupadas com o prestígio". Nesse sentido, o empresário admite que o projecto de Museu do Estuque avance por fases, iniciando-se eventualmente no Porto, tendo por base a colecção da Oficina Baganha.
O projecto de alteração de um edifício na Ribeira já deu entrada na Câmara do Porto, prevendo a criação de um centro de interpretação que permita sublinhar a importância desta arte decorativa, uma área onde o espólio possa ser exposto, uma casa de chá e uma loja para venda de reproduções das peças.
Ludgero de Castro não esconde, aliás, que o projecto está associado a uma das suas empresas, que se dedica à recuperação e produção de estuques e detém os direitos de comercialização das reproduções do espólio Baganha, que é, em parte, propriedade do Museu Nacional de Soares dos Reis. Todavia, diz o empresário, o museu é promovido por uma empresa autónoma e uma parte dos lucros das obras de conservação e restauro podem financiar a fundação.
Em linhas gerais, o projecto contempla a realização de um levantamento do património nacional de estuques, a sua digitalização e a criação de uma base de dados acessível através da internet, servindo os centros de interpretação como pontos de partida para os percursos de visitas pelos edifícios que contam a história desta arte decorativa. O investimento necessário está estimado em 300/400 mil euros, incluindo a reabilitação de um palácio seiscentista na Rua de S. José, na Baixa pombalina de Lisboa, onde poderá também funcionar um pequeno hotel de charme.
No Porto, porém, o trabalho está mais adiantado, uma vez que foi realizado, na década de 1960, um levantamento dos estuques do Norte de Portugal, sob responsabilidade de Flórido Vasconcelos, constituindo o espólio das Oficinas Baganha, por si só, um ponto de partida impressionante, tal a sua importância ao longo do século XX. "Para além deste, existe o espólio Meira, de muito menor dimensão, e algumas coisas dispersas", assevera Ludgero de Castro.
Pode-se dizer que o estuque mudou a forma de as pessoas habitarem", opina Miguel Figueiredo. Tal como ele, outros académicos, das áreas da História da Arte e da Arquitectura, se têm socorrido do espólio Baganha como ponto de partida para estudos sobre a história da impressão, as artes decorativas do século XIX e as relações entre as influências artísticas da época e o resultado final nos edifícios portugueses.

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