Câmaras de Lisboa e do Porto lesadas, Benfica, Sporting e FC Porto favorecidos

Auditoria do Tribunal de Contas ao Euro 2004 detectou apoios exagerados dos municípios aos clubes

O Tribunal de Contas (TC) não foi capaz de "quantificar com exactidão os apoios concedidos" pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e pela Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) ao Benfica e ao Sporting para a construção dos seus novos estádios, com vista ao Euro 2004. Porquê? "Algumas das situações previamente acordadas nos contratos-programa" celebrados entre as duas partes no dia 1 de Julho de 2002 - há três anos e meio, portanto - não foram ainda concretizadas. Ainda assim, o TC apurou "até ao momento" apoios de 59,5 milhões de euros.Este e outros dados constam da auditoria ao Euro 2004-2.ª fase realizada pelo Tribunal de Contas e de que PÚBLICO fez uma primeira abordagem na sua edição de ontem. Um dos pontos relevantes é que esse evento custou ao Estado 1035 milhões de euros. Só os dez estádios edificados ou remodelados para tal efeito levaram 384,2 milhões. Na conta final, entram estacionamentos, acessibilidades, outras infra-estrutruras associadas, bem como os apoios que as autarquias atribuíram aos clubes. No caso de Lisboa, não foi possível ainda apurar o montante desses apoios - que incluem terrenos para postos de abastecimento de combustíveis, para exploração directa ou por terceiros.
O TC, contudo, afirma ser possível afirmar que "o apoio financeiro ou incentivo" da CML e a EPUL, esta uma empresa municipal, ao Benfica e ao Sporting, "através do mecanismo de compra e doação de imóveis e equipamentos, se indicia como bastante avultado". Para saber o seu valor real, acrescenta, só "mediante uma peritagem". Quanto às contrapartidas exigidas pelo município lisboeta, então presidido pelo social-democrata Santana Lopes, e pela EPUL, elas "não oneraram excessivamente os clubes". O tribunal concluiu: há um "significativo desequilíbrio a favor dos clubes que beneficiaram das cláusulas de ordem financeira".
No Porto, os "dragões" também não se podem queixar. Recorde-se que a construção do Estádio do Dragão, que substituiu o velhinho Estádio das Antas, obrigou à elaboração de um plano de pormenor tão complexo como polémico, o famoso PPA, e que cuja gestão final iria ser feita pelo executivo municipal presidido por Rui Rio. Com este dirigente social-democrata, o relacionamento entre a autarquia e o FC Porto azedou desde a primeira hora e assim permanece. Ao abrigo daquele plano, a autarquia apoiou o clube com uma comparticipação financeira, "sob a forma de subsídio em espécie".
Ou seja: a câmara deu aos portistas terrenos, nomeadamente para o novo estádio, cujo valor total é de 88,3 milhões de euros. Segundo as contas feitas pelo tribunal, "o valor de alguns dos terrenos entregues pelo município ao FCP foi subavaliado para quase um terço do seu valor comercial" - porque o plano partiu de um valor-base por metro quadrado de 299,28 euros, ao passo que para o TC tal valor seria de 773,14 euros. Conclusão: de acordo com a auditoria, devido à "subvalorização significativa" desses terrenos, a Câmara do Porto concedeu "desmesurado apoio imobiliário ao FCP, proveniente do património público autárquico". Os auditores do Tribunal de Contas não têm dúvidas: "O contrato está gizado de molde a proteger generosamente o interesse do FC Porto, em detrimento do razoável acautelamento do interesse público e dos dinheiros públicos".
E o Boavista, cujo novo estádio também foi palco do Euro 2004? Este clube, através do se presidente, João Loureiro, queixou-se de que não tinha sido tratado de igual modo pelo município. "Os apoios indirectos concedidos por aquela entidade" ao FC Porto e ao Boavista totalizaram 89,3 milhões de euros, dos quais apenas um milhão para o segundo. O anterior presidente da câmara, Nuno Cardoso, tem contra si um processo-crime por causa dos terrenos.
Público e privado
No que diz respeito aos encargos públicos com o Euro 2004, já objecto de uma primeira análise nestas páginas, a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas mostra que os estádios Municipal de Braga e Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria, são os que custaram mais ao Estado, isto entre os recintos públicos: 49 por cento dos 504,8 milhões desses encargos públicos. No pólo oposto encontram-se os estádios D. Afonso Henriques, em Guimarães, e Cidade de Coimbra. Aliás, tanto um como outro apresentam não só menor encargo público como também "menor esforço de investimento dos respectivos promotores", que foram as respectivas autarquias.
Os encargos que o Estado teve com os estádios privados (FCPorto/Dragão, Boavista/Bessa, Sporting/Alvalade e Benfica/Luz), incluindo respectivos estacionamentos, totalizou 236,1 milhões de euros, sem contar, note-se, com os apoios indirectos atribuídos pelas Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto. Os auditores fecharam esta alínea com um comentário sobre os "custos de oportunidade destes investimentos", questionando "se para obter os benefícios resultantes deste projecto não poderia incorrer-se em muitos menos custos (...). Mas também destacam "a melhoria significativa" em sectores como os "transportes ferroviários" (o metro chegou mais cedo à zona das Antas, no Porto) e o facto de as obras realizadas terem visto os seus prazos acelerados em virtude do Euro 2004.
CUSTOS DOS ESTÁDIOS PÚBLICOS

Indicadores Braga Guimarães Aveiro Coimbra Leiria Algarve TotalCusto de Referência dos Estádios 29.927.874 15.961.533 29.927.874 14.963.937 19.453.118 29.927.874 140.162.210
Custo Final dos Estádios 108.094,387 26.386.279 51.054.129 38.029.638 53.850.170 46.140.544 323.555.147 Nº Lugares 30.359 30.029 30.127 30.333 29.398 30.305 Média
Custo por lugar 3561 879 1695 1254 1832 1523 1790

Fonte Tribunal de Contas.

Sugerir correcção