CARTAS AO DIRECTOR

Ter cara de preto é uma vergonha?Neste país de brandos costumes, o racismo envenena indiscriminadamente todos os estratos sociais. Se, nos estratos mais baixos, esse preconceito se manifesta de forma mais ou menos despudorada, nos estratos tidos por superiores ele existe de forma mais contida (ou provavelmente envergonhada), mas nem por isso é menos afrontoso. Uma pedra de toque para avaliar o racismo que se aloja, por vezes de forma inconsciente, no espírito de muitas pessoas que se julgam imunes a tal estigma, é o uso corrente de certas expressões. Uma das mais chocantes, não obstante o uso e abuso que dela fazem pessoas que pontificam nos órgãos de comunicação social, é a que determina o gesto de pintar a cara de preto como penitência atribuível a quem tiver algo de que se envergonhar ou como manifestação de arrependimento e reparação de uma falta.
Há tempos, perante uma situação deste género, surpreendentemente protagonizada pelo deputado Miguel Portas num artigo do Diário de Notícias, dirigi-lhe uma carta de protesto, a que ele respondeu de imediato a dar-me razão e a prometer uma autocrítica pública, "à chinesa", que todavia nunca fez. Idêntica nódoa manchou recentemente a crónica semanal de José António Lima, director adjunto do Expresso. Também o político José Magalhães, ao tempo em que era participante do programa Flash Back, da TSF, aceitou sem pestanejar o repto dos seus comparsas Pacheco Pereira e Lobo Xavier, prontificando-se a pintar a cara de preto no caso de ver desmentida uma das suas conjecturas, o que aliás se verificou. Tal caso foi muito badalado e até deu ensejo a fotografias na imprensa, com Magalhães a aparecer no programa seguinte com a cara pintalgada de preto. A palhaçada deu para todos rirem muito e ninguém se mostrou incomodado com a facécia, pois se o fizesse seria por certo acusado de defender o politicamente correcto, muito embora hoje em dia se verifique o paradoxo de não haver nada tão politicamente correcto como acusar os outros de serem defensores do politicamente correcto.
A expressão boçalóide surgiu agora, uma vez mais, nas páginas do PÚBLICO, subscrita pelo seu cronista-mor Eduardo Prado Coelho, designado como professor universitário e membro da comissão política de Manuel Alegre. Na sua crónica de quinta-feira, dia 8, em que polemiza com Joana Amaral Dias, escreve o emérito intelectual que "basta olhar para o que neste momento se passa na área do Porto do PS para ficarmos com vontade de pintar a cara de preto". Ou seja: para ficarmos cheios de repulsa e de vergonha. O que, mutatis mutandis, significa que ter cara de preto é repulsivo e vergonhoso. Um skin head não diria melhor!
Com um apoio destes, estou certo de que o autor de Praça da Canção não poderá deixar de sentir um enorme embaraço e tristeza, ele que tantos pretos ilustres (por exemplo: Agostinho Neto e Amílcar Cabral, entre outros) teve como amigos e companheiros de luta, antes, durante e depois do seu célebre exílio em Argel. É caso para dizer que, com apoiantes assim, Alegre nem precisa de inimigos...
Acácio Barradas
Lisboa

Apresentação do projecto da Ota
O Governo convidou alguns especialistas em aviação para promover o seu projecto do Aeroporto Internacional da Ota. Colin Spear, da Associação Internacional de Transportadoras Aéreas (IATA), referiu que um atraso na construção da Ota prejudica as linhas aéreas portuguesas. No entanto, a opinião da TAP e da Portugália não parece ser essa. Jean Marie Chevalier, da construtora Aéroports de Paris, chama atenção para os limites de capacidade (actuais) do aeroporto da Portela e refere a Ota como "localização aceitável", o que não é um elogio estrondoso, já que Chevalier vê mais vantagens em Rio Frio.
Desde que um aeroporto não se situe no cume de uma montanha, as localizações parecem "aceitáveis". Na defesa de Rio Frio manteve-se também o representante da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP). As estimativas sempre optimistas prevêem 35 milhões de passageiros para 2020. Que o actual aeroporto da Portela rebentaria em 2009 se não fossem feitos alguns alargamentos, parece provável. Porém, uma segunda pista paralela a 03/21 e uma extensão à área ocupada pelos militares é bem mais barato do que o projecto da Ota (800 milhões contra três mil milhões de euros).
É verdade que mesmo com duas pistas paralelas muito próximas, o número de movimentos será limitado. No entanto, os possíveis 35 milhões de passageiros (um aumento de 300 por cento face à actualidade) parece-me mais do que suficiente. Outro perito da IATA, Gerry O"Shaughnessy, avisou que já houve projectos "desastrosos" que resultaram em "elefantes brancos".
Bastante ridícula ainda a afirmação que a Ota criará 50 mil postos de trabalho. Será que o autor da afirmação compara Lisboa com Frankfurt, Madrid ou Londres? É óbvio que os trabalhadores envolvidos na construção do aeroporto serão na maioria imigrantes e que os técnicos de projecto serão de empresas estrangeiras. No entanto, é verdade que o interesse imobiliário já começou a apostar na decisão do Governo de construir um novo aeroporto na Ota, basta "olhar" para o que tem acontecido em Vila Franca e Alverca. Assustador ainda o anúncio do ministro das Obras Públicas que outro lugar senão a Ota poderia "inviabilizar o financiamento comunitário do projecto".
Será verdade? Os estudos ambientais de Rio Frio não proíbem a construção de um aeroporto, exigem apenas mais precauções ambientais. A fantasia do ministro da competitividade com Madrid-Barajas mostra apenas desconhecimento e a tentativa de promoção da Ota não obteve o impacte desejado pelo Governo.
Joachim Kappert
Vila Nova de Gaia

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