Especialistas dizem que hospitais psiquiátricos têm cada vez mais camas

Governo quer encerrar progressivamente unidades especializadas em doenças psiquiátricas

O objectivo governamental do encerramento progressivo dos hospitais psiquiátricos e da redução do internamento de doentes mentais não está a avançar. Estas unidades atraem cada vez mais psiquiatras e o número de camas tem aumentado, defendeu ontem Caldas de Almeida, perito em saúde mental da Organização Mundial de Saúde (OMS), na Conferência Nacional de Saúde Mental que hoje termina em Lisboa.
A secretária de Estado adjunta e da Saúde, Carmen Pignatelli, declarou ontem que o Governo quer apostar numa "política de desinstitucionalização progressiva" dos doentes psiquiátricos, devolvendo-os ao seu meio social de origem, como uma forma de "ultrapassar a estigmatização". Confrontada com notícias do eventual encerramento dos hospitais psiquiátricos Miguel Bombarda ou Júlio de Matos, em Lisboa, afirmou que o fim de qualquer unidade ficará decidido até 2006, sem especificar quais avançariam primeiro.
Apresentando a chamada Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental, que inventaria os meios humanos e materiais existentes nesta área, Carmen Pignatelli declarou que a meta do Governo é diminuir a força dos hospitais psiquiátricos e aproximar os serviços de saúde mental das populações, criando cuidados comunitários descentralizados.
Ainda anteontem o ministro da Saúde, Correia de Campos, se tinha pronunciado no mesmo sentido. "[Os hospitais psiquiátricos] são espaços que acolhem pacientes, rompendo a sua ligação geográfica e familiar", disse. Num encontro com jornalistas o governante defendeu: "O grande asilo psiquiátrico de que nós temos alguns exemplos ainda em Portugal - o Miguel Bombarda, o Sobral Cid em Coimbra, o Júlio de Matos, o Lorvão, e no Porto também o Magalhães Lemos e outros - são modelos condenados."
Mas a prática parece andar longe da teoria. Segundo defendeu Caldas de Almeida, chefe de saúde mental da OMS na região das Américas, os números da Direcção-Geral da Saúde de 2004 apontam para o aumento do número de camas em hospitais psiquiátricos.
Nos "asilos psiquiátricos privados" as camas eram 4772 em 2000, em 2004 já eram 4828. Nos hospitais psiquiátricos públicos as camas eram 1886 em 2000; em 2004 eram 1952. Enquanto na Europa, no mesmo período, desceram sete por cento, em Portugal aumentaram, alerta. São "indicadores preocupantes", notou.

Psiquiatras fogem dos hospitais SA
Caldas de Almeida afirma que a criação dos hospitais-empresa veio contribuir para o peso crescente dos hospitais psiquiátricos. Contrariamente aos SA, os psiquiátricos continuam a conferir o estatuto de funcionários públicos aos médicos que lá exercem, atraindo recursos humanos e deixando os serviços psiquiátricos dos hospitais gerais - mais próximos das populações - "descapitalizados de psiquiatras". Para atrair estes profissionais a serviços comunitários de saúde mental é preciso criar incentivos, reiterou.
Se o Governo quer concretizar o objectivo de retirar os doentes das instituições, "vai ter que enfrentar o problema que se criou do reforço constante dos hospitais psiquiátricos nos últimos cinco anos", defendeu Caldas de Almeida, que foi director dos serviços de saúde mental no final década de 1980.
"Está a haver um aumento de poder nos hospitais psiquiátricos", defendeu também Hugo Meireles, presidente do conselho de administração do Hospital São Sebastião, em Santa Maria da Feira.
O responsável lembrou que foi presidente da comissão de gestão de encerramento do Hospital psiquiátrico do Conde Ferreira, no Porto, que há sete anos tinha 350 camas. Hoje tem 500, referiu. Na sua opinião, a rede de referenciação de cuidados de saúde mental apresentada pela secretária de Estado da Saúde, como forma de demonstrar a aposta em serviços desconcentrados, "não passa de um livro muito bonito". "Não serve para nada. Andamos há anos a produzir livros lindissímos e nada se faz."

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