MORREU ROSA PARKS, A PIONEIRA DOS DIREITOS CÍVICOS NA AMÉRICA

Como tantos negros no Sul dos EUA, a existência da costureira do Alabama que se tornou ícone da luta contra a segregação parecia condenada ao sofrimento, se tudo não tivesse mudado em 1 de Dezembro de 1955, quando se recusou a ceder lugar num autocarro a um passageiro branco. O seu exemplo provocou uma revolta popular sem precedentes, liderada por um (à época) desconhecido reverendo, Martin Luther King. Por Rita Siza, Washington

AAmérica rendeu-se ontem à memória de Rosa Parks, uma das figuras maiores do movimento pelos direitos cívicos que nos anos 1950-60 levou ao fim da segregação e garantiu o direito ao voto à população negra. Aos 92 anos, Rosa Parks morreu na noite de segunda-feira, tão discretamente quanto viveu, na sua casa de Detroit."Era uma mulher de grande coragem, graça e dignidade", disse o antigo Presidente Bill Clinton - que lhe atribuiu a medalha da Liberdade, a mais alta distinção civil americana. "Foi uma inspiração para mim e para todos aqueles que trabalham para o dia em que a América deixará de estar dividida."
Rosa Parks sempre foi uma mulher simples, mesmo quando se tornou um ícone. Nascida no pobre estado do Alabama em 1913, teve uma infância desfavorecida, como a maior parte das crianças negras da sua época: abandonada pelo pai, foi criada pela mãe e pelo avô, para quem trabalhava, a apanhar algodão numa quinta. Quando podia, ia à escola; e não raras vezes era agredida pelo caminho, com lixo, ao passar pelos bairros de população branca.
Como tantos outros negros do Sul dos Estados Unidos, a sua existência parecia condenada ao sofrimento e humilhação, se tudo não tivesse mudado numa tarde do dia 1 de Dezembro de 1955. Rosa Parks, então uma costureira de 42 anos, voltava para casa em Montgomery, Alabama. Entrou no autocarro pela porta traseira, e de acordo com a lei sentou-se num dos lugares reservados a "pessoas de cor" - a segregação entre brancos e negros no Sul mantinha-se da original legislação do século XIX e nunca tinha sido revogada. Pouco depois, um homem branco que não tinha lugar sentado, dirigiu-se ao motorista exigindo que os negros se levantassem para lhe ceder o lugar. Três pessoas respeitaram o seu pedido, mas Rosa Parks recusou deixar o seu lugar.
O episódio poderia não ter passado de um incidente policial. Rosa foi detida e condenada ao pagamento de uma multa de 14 dólares. Mas, inesperadamente, o seu exemplo provocou uma revolta popular sem precedentes, liderada por um (à época) desconhecido reverendo, de nome Martin Luther King. Depois da prisão de Rosa, a população negra iniciou um boicote aos autcarros que se prolongou por 381 dias, e que culminou com a declaração da inconstitucionalidade da lei que decretava a separação das raças nos transportes.
Até ao dia de hoje, a atitude de Rosa Parks - que lhe valeu o epíteto de "mãe do movimento dos direitos civis" - permanece motivo de debate. Há quem discuta que o seu acto não passou de uma inconsciência: Rosa era uma simples costureira, iletrada, que se arrastava para casa no final de mais um dia cansativo. Mas outros defendem que, como membro activo da Associação Nacional para o Progresso da População Negra, o comportamento de Rosa Parks tinha uma profunda motivação política.
"É verdade que me doíam os pés, e que num primeiro momento foi isso que me levou a ficar sentada. Mas a verdadeira razão por que não me levantei foi por achar que tinha o direito de ser tratada como outro passageiro qualquer. Já tínhamos sofrido demasiado tempo aquele tratamento desumano", recordou, numa entrevista de 1992.
Como escreveu Martin Luther King, em 1958, "a prisão de Parker foi o factor que fez precipitar o protesto, e não a sua causa. A causa era mais profunda. Tinha a ver com a tradição de injustiças semelhantes àquela por que passou Rosa Parks."
Apesar da dimensão nacional que os protestos da população negra assumiram depois da sua prisão, Rosa Parks continuou a viver uma existência desprivilegiada, tendo perdido o emprego e recebido várias ameaças de morte. Em menos de dois anos, Rosa e o marido Raymond foram forçados a abandonar o Alabama, tendo-se instalado em Detroit, onde permaneceram até morrer. Começou por trabalhar como costureira, mas, em 1965 foi convidada pelo congressista John Conyers Jr. para trabalhar no seu gabinete político, lugar que aceitou e que só abandonou quando se reformou, em 1988.
Em Detroit, Rosa e o marido Raymond constituíram o Rosa and Raymond Parks Institute for Self Development. A cidade reconheceu a sua importância ao atribuir o seu nome a uma rua e ainda a vários autocarros, mas Rosa nunca se importou com esse tipo de galardões. "Dizia sempre que preferia que as pessoas se lembrassem da razão por que o seu nome foi reconhecido. O que lhe importava era que não se esquecessem da sua luta", comentou Elaine Steele, directora executiva do instituto.

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