Thomas Schelling: a regulação de conflitos

Schelling dizia que a generalidade das pessoas, quando encontram uma boa solução para um problema, ficam com essa ideia e já não procuram outra, porque essa as satisfaz. Ele recomendava uma atitude diferente. Perante uma boa ideia, imaginava dificuldades ou condicionamentos que a pudessem pôr em causa e estudava as possibilidades de resposta a essas eventualidades

Há alguma ironia no facto de um prémio que é financiado pelos lucros dos explosivos ser atribuído a dois economistas, Thomas Schelling e Robert J. Aumann, que procuraram identificar os processos de decisão humana que conduzem aos extremos da violência do confronto nuclear, com a intenção de os compreender e com o objectivo último de os neutralizar pelo efeito da dissuasão. A ironia torna-se circular e caricatural quando o sucesso analítico obtido na esfera do conflito nuclear (o acontecimento que ainda não ocorreu, embora é possível há mais de meio século) é sujeito a novo exame com o retorno a formas primitivas de violência que utilizam como instrumento os derivados do que foi patenteado por Alfred Nobel.É uma ironia que certamente não escapará a Thomas Schelling, um analista que procura a essência dos processos sociais observando os comportamentos quotidianos de modo a detectar padrões e paradoxos que outros, menos atentos ou mais presos à objectividade superficial e quantificável, desvalorizam ou nem sequer reconhecem. Uma história interessante, que é plausível, mesmo que o próprio nunca a tenha confirmado (em análise de cenários, o plausível é o que já está na vizinhança da verdade), ilustra o dispositivo interno do método de Schelling.
Nos seus tempos de Harvard (onde ensinou Economia Política durante duas décadas na John F. Kennedy School of Government, antes de passar, em 1990, para a Maryland School of Public Affairs), integrou um grupo de trabalho que tinha por missão organizar o parque de estacionamento das viaturas dos professores, um problema onde a objectividade da geometria tinha de se conciliar com as emoções dos privilégios e com as hierarquias estatutárias. Schelling não podia estar presente na primeira reunião, mas combinou que elaboraria as suas notas que depois seriam comparadas com as conclusões dessa primeira sessão. Na reunião seguinte, o grupo tinha oito propostas. Enquanto as ouvia, Schelling ia cortando tópicos nas suas notas e, quando falou ,tinha mais 20 propostas em que o grupo não tinha pensado.
A explicação de Schelling para o seu modo de trabalhar era simples: a generalidade das pessoas, quando encontram uma boa solução para um problema, ficam com essa ideia e já não procuram outra, porque essa as satisfaz. Ele recomendava uma atitude diferente. Perante uma boa ideia, imaginava dificuldades ou condicionamentos que a pudessem pôr em causa e estudava as possibilidades de resposta a essas eventualidades. E ia repetindo o procedimento até que a primeira boa ideia inicial, depois de sujeita a todos estes choques, se transformava numa outra, bem diferente e mais resistente às variações das circunstâncias, para além de se ter diversificado em novas possibilidades.
É esta atitude de método que está na origem de conceitos básicos para a produção analítica de Schelling. A dissuasão é apresentada, no seu livro The Strategy of Conflict, de 1960, como a exploração da força potencial para persuadir um eventual inimigo que é do seu interesse evitar certas opções, aquelas que ameacem o poder que usa a dissuasão. O seu objectivo é evitar o conflito através do não-uso hábil da força militar, e é por isso que a dissuasão exige qualidades que transcendem a capacidade e a determinação dos militares. A dissuasão consiste em influenciar as escolhas que a outra parte fará e isso é conseguido influenciando ou condicionando as suas expectativas sobre o que será o nosso comportamento.
É esta concepção da interrelação entre centros estratégicos, valorizando o exame do outro, em lugar de insistir na defesa da identidade própria, que conduz Schelling para a utilização e desenvolvimento da teoria dos jogos estratégicos (apresentada em 1949 por John von Neumann e Oskar Morgenstern), estudando situações em que a melhor trajectória para cada participante depende do que espera que os outros participantes façam. Nesta perspectiva relacional, onde cada um tem de imaginar e compreender o outro, o conceito de sistema será central. Um sistema é um conjunto de elementos inter-relacionados, mas que tem uma propriedade emergente, com regularidades persistentes que decorrem desta inter-relação, que não podem porém ser deduzidas da observação isolada de cada elemento. Um sistema adaptativo, como são todos os sistemas sociais, é aquele em que os seus elementos recolhem e processam informação sobre o que os rodeia e actuam em função dessa informação de um modo que não é a mera reacção aos condicionamentos objectivos exteriores - é uma antecipação do que o outro fará de modo a condicioná-lo a escolher o que é mais conveniente (para nós) ou mais sustentável (para a continuidade desse sistema de relações no tempo).
A utilização destes conceitos em modelos matemáticos que ofereçam soluções bem definidas e quantificadas exige, porém, a aceitação de pressupostos muito exigentes. É necessário que haja ao mesmo tempo motivos de conflito e interesses comuns para as partes; não se aplica em situações de puro e completo interesse comum (o que não é grave), nem em situações de puro e completo antagonismo (o que é vital nas questões estratégicas concretas). O contributo mais importante de Thomas Schelling consistiu em explorar as potencialidades dos modelos para além dos constrangimentos impostos por estes pressupostos, flexibilizando-os até ao ponto para além do qual os seus resultados se tornariam arbitrários. Neste sentido, Schelling trabalha no limite da fronteira da possibilidade analítica, explorando campos que vão muito para além dos assuntos da estratégia da defesa (Arms and Influence, 1976; Strategy and Arms Control, 1986, Bargaining, Communication and Limited War, 1993), na antropologia (Micromotives and Macrobehavior, 1978), energia (Thinking through the Energy Problem, 1979), ambiente (Incentives for Environmental Protection, 1983), teoria da decisão (Choice and Consequences, 1985). Se o clássico The Strategy of Conflict (1960) é a porta de entrada que não deixa ninguém igual depois de ser passada, é no conjunto da obra que se encontra o Thomas Schelling do parque de estacionamento para as viaturas dos professores de Harvard, sempre a explorar uma nova ideia para além da fronteira do que já se conhece.
É provável que quem lê agora Schelling na perspectiva do presente ignore as sofisticações do cálculo nuclear e o avalie na perspectiva do primitivismo do terrorismo, com a dinamite de Nobel e com o fanatismo de Alá. Para essa perspectiva pragamática do presente há um conceito útil que se designa por "ponto de Schelling" e que representa a solução para um problema de coordenação, quando não há comunicação entre as partes, quando nenhuma delas sabe, ou compreende o que a outra faz e, no entanto, precisam de encontrar uma resposta, quanto mais não seja porque têm um "comum" a preservar que é a condição de vida no planeta que habitam. Mais do que na "força de retaliação de Bush" (necessária, mas não suficiente), é na existência do "ponto de Schelling" que está a condição de neutralização do primitivismo terrorista e de outros tipos de fanatismo ideológico. No "ponto de Schelling", mesmo os que estão cegos pelas emoções encontram uma luz de racionalidade que lhes permite identificar o interesse comum. Politólogo

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