"O MUNDO DE HOJE NASCEU EM GDANSK"

Aprovada proposta
de fazer do 31 de Agosto
o Dia Internacional da
Liberdade e Solidariedade

Mikhail Saakashvili tinha apenas 12 anos quando, a 31 de Agosto de 1980, os operários de Gdansk alcançaram a sua vitória histórica, o reconhecimento pelo regime comunista polaco do primeiro sindicato livre, o Solidariedade. Mas recorda-se de entrar pelas traseiras nos hotéis reservados a estrangeiros de Tbilissi, na então República Soviética da Geórgia, para ler nos jornais ocidentais as notícias que a imprensa oficial escondia. Ontem conheceu por fim a cidade que inspirou os seus sonhos de juventude e, como Presidente do seu país recém-libertado depois da "revolução rosa", agradeceu o caminho que o Solidariedade abriu e contou como as experiências de outras transições - as cadeias humanas nos países bálticos, o exemplo checo de Vaclav Havel, a concentração dos sérvios em Belgrado contra Milosevic - inspiraram os georgianos.No grande hall da Filarmónica de Gdansk, Saakashvili era apenas um dos que ali estavam para celebrar os 25 anos do Solidariedade e, sobretudo, para agradecer não apenas a Lech Walesa, não apenas aos heróis do movimento, mas, como sublinhou o historiador Timothy Garton Ash, "a todos os que nunca estarão nos livros de História, mas que naquele dia fizeram a revolução": os trabalhadores dos Estaleiros Lenine e das centenas de outras fábricas em greve.
Viktor Iuschenko, o líder da "revolução laranja" na Ucrânia, reforçaria também esta ideia de que o espírito e a experiência do Solidariedade - e o apoio da Polónia livre - seriam decisivos para a vitória pacífica do seu movimento. "O nosso lema foi que juntos éramos muitos e juntos não haveriam de derrotar-nos."
A ideia de que a revolução polaca protagonizada pelo Solidariedade representou não só uma ruptura com as revoluções violentas do passado mas também um momento de ruptura na história do século XX foi de resto sublinhada pela generalidade dos chefes de Estado presentes e sintetizada pelo antigo conselheiro de segurança do Presidente Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, como "a explosão que provocaria um tsunami que varreria uma ideologia terrível". O velho professor de Ciência Política, que nasceu em Varsóvia, falou em polaco e colocou esta revolução no panteão das grandes revoluções da História. "Poucos se lembram, mas quando os militares impuseram a lei marcial, muitos na Europa respiraram de alívio porque acharam o mais sensato, tal o medo que a União Soviética inspirava", sublinhou. Nessa altura, nas capitais europeias, o único coração que batia forte ao lado dos polacos era o de João Paulo II, que lhes disse, com um sorriso doce, que a lei marcial não duraria sempre e a liberdade acabaria por chegar.
Numa prisão de Praga, um dramaturgo teria a mesma intuição, apesar da escassez da informação que lhe chegava. "Percebi que era o princípio do fim", recordou o muito aplaudido Vaclav Havel. "Percebi o que havia de novo e importante na aproximação entre os trabalhadores e os intelectuais dissidentes."
Um quarto de século depois, e apesar de a revolução do Solidariedade ter sido crucial para descongelar a História e de ter permitido a reunificação da Europa que Ialta tinha dividido, a verdade é que em muitos países se vive ainda preso a grilhetas. "Não nos esqueçamos da Bielorrússia, da Birmânia, de Cuba, da Coreia do Norte", sublinhou o antigo Presidente da República Checa, para quem a proposta de consagrar o 31 de Agosto como Dia Internacional da Liberdade e da Solidariedade - uma resolução nesse sentido foi ontem aprovada numa cerimónia em frente aos Estaleiros Lenine - é uma boa ideia se representar um passo para garantir que os que lutam pelos direitos humanos são apoiados pela comunidade internacional. Até porque outra das lições a tirar da experiência do Solidariedade é que a democracia deve crescer dentro dos países, ganhar raízes na sociedade e não ser imposta de acordo com um modelo único.
A democracia é contudo uma "doença" contagiosa, o seu exemplo pode provocar reacções em cadeia, pelo que não era por acaso que o grande pano por trás do palco mostrava uma série de dominós que caíam impulsionados pela vitória do Solidariedade. "O que os polacos mostraram foi que era possível levantar a cabeça e não ter medo; foi isso que desencadeou o efeito de dominó", disse alguém que na altura até estava do outro lado da barricada mas que hoje é o primeiro a sublinhar o "sucesso polaco, pois é de sucesso que devemos falar": Alexander Kwasniewski, actual Presidente da Polónia. Sim, como que acrescentou Boris Tadic: "Disseram-nos "não tenhais medo", e nós respondemos vencendo o medo."
Na cidade báltica onde hoje Lech Walesa tem os seus escritórios, num edifício construído para os reis da Polónia mas nunca utilizado, encontraram-se representantes de uma geração ímpar que gostaria de deixar às gerações seguintes a coragem e a vontade reformista que as relações internacionais reclamam. Que quer que Gdansk seja recordada como a cidade onde "o mundo de hoje" começou e não o local onde foram disparados os primeiros tiros da II Guerra Mundial.
Daí que a Declaração de Gdansk ontem aprovada comece por recordar as palavras de João Paulo II: "Não podemos viver de acordo com o princípio de "todos contra todos" mas segundo o princípio de "todos com todos", pelo que em nome do futuro da Humanidade a palavra "solidariedade" tem de estar sempre presente."

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