JÁ NÃO HÁ COLONOS EM SA-NUR E HOMESH

O exército israelita temia violentos confrontos nos dois colonatos do Norte da Cisjordânia cuja evacuação foi ordenada por Sharon. Afinal, os habitantes e os infiltrados ofereceram apenas uma resistência simbólica. A retirada forçada de civis ficou concluída numa semana. Em Setembro completa-se a retirada militar de Gaza.
Da nossa enviada Maria João Guimarães, em Sa-Nur

Bastou exibir a força de umas centenas de agentes da polícia de choque para conseguir ontem uma evacuação total, mais ou menos tranquila, de Sa-Nur, um dos dois colonatos do Norte da Cisjordânia - em Homesh, a resistência também foi neutralizada - onde o Exército israelita temia incontroláveis actos de violência. Os últimos residentes e infiltrados, um total de 620, em Sa-Nur partiram de manhã. Ao fim da tarde, saíram os de Homesh, cerca de 709. Em menos de uma semana - as previsões eram de um mês ou mais - completaram-se as evacuações forçadas, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, terminando assim a primeira fase do "plano de separação" unilateral delineado pelo primeiro-ministro israelita Ariel Sharon: a retirada de civis. Dois outros colonatos da Cisjordânia, Ganim e Kadim, já tinham sido evacuados voluntariamente. Nos confrontos registados ontem em Sa-Nur e Homesh, as autoridades deram conta de ferimentos ligeiros em 31 soldados e polícias e em 11 civis. Foram detidos 17 colonos.
Apesar de tudo, em Sa-Nur não houve tiros nem cocktails molotov, nem granadas de mão. Houve soldados a dormir a sesta depois de comerem o almoço, empoleirados nos escorregas do parque infantil do colonato.
Não houve também a crise emocional de Gaza: o choro dos soldados não foi convulsivo, apenas uma lágrima furtiva aqui e ali. Os gritos no telhado também já não foram incessantes. Às vezes, havia silêncio. A guerra psicológica às tropas, essa sim, continuou. Uma mulher agarrou numa criança e colocou-a em frente um soldado: "Este é o meu filho. O pai dele foi morto por um palestiniano!"
As forças de segurança juntaram-se à entrada de Sa-Nur pouco depois do nascer do Sol. Era um impressionante conjunto de cerca de dois mil agentes da polícia de choque, vestidos de negro, alinhados na estrada que sobe até Sa-Nur, um colonato situado no ponto mais alto da região.

"Tirem-me fotos!"Um bulldozer chegou e abriu o portão de metal amarelo como quem abria uma lata de conservas. Limpou a estrutura do lado, avançou, limpou o caminho de pedras. Quando já estava numa rotunda no interior do colonato, parou. Um homem correu a sentar-se na pá da escavadora, aos gritos: "Tirem-me fotos! Tirem-me fotos!" A polícia afastou-o rapidamente, e o bulldozer seguiu o seu caminho.
A polícia de choque entrou no colonato dividindo-se por vários locais, e logo a seguir também por grupos mais pequenos de agentes, acompanhados por guardas de fronteira. "Se usássemos menos poder não teríamos tanta capacidade de intimidação e teríamos de usar mais violência", explicou o comandante militar, Opher Jacobi.
Após a entrada das forças, passaram ainda umas horas antes que dois autocarros levassem para fora do local os jovens (rapazes e raparigas), classificados como "indomáveis" - se bem que alguns teriam já saído na noite anterior, com medo de serem presos, como aconteceu a alguns que atiraram objectos contra os soldados nos colonatos de Gaza.
Saíram pelo seu próprio pé duas mães com bebés ao colo e outras crianças de várias idades. Todos os restantes residentes do colonato - entretanto pouco mais de 40 irredutíveis - juntaram-se no telhado de uma fortaleza, um edifício branco no topo do colonato que serviu de posto de observação militar durante o Império Otomano e foi uma esquadra durante o mandato britânico da Palestina. Eles tinham espelhos e tentavam fazer incidir a luz sobre os soldados que estavam cá em baixo.
Das famílias ontem retiradas de Sa-Nur apenas duas eram ainda "originais" do colonato: todas as outras se mudaram para cá depois do anúncio de que seria um dos locais a evacuar no âmbito do plano de Sharon.
O comandante Opher Jacobi olhou para o cimo da cidadela. Perto estavam dois gigantes contentores com grades, tipo gaiolas, que o Exército tinha reservado para casos especiais de violência. "Foram eles que quiseram assim", explicou Jacobi. "Nós iríamos usar escadas, mas eles pediram especificamente estes contentores. A minha expectativa é de uma entrada pacífica", adiantou, mostrando-se "espantado" com o baixo grau de resistência.
O Exército avisou repetidamente que em Sa-Nur a retirada poderia ser sangrenta. Um oficial chegou a afirmar, no fim-de-semana, ao jornal hebraico Ha"aretz que havia o receio de ataques às aldeias árabes vizinhas como protesto contra a evacuação dos colonatos. Afinal, o que de mais violento houve foram as palavras, à semelhança do que aconteceu nos colonatos de Gaza.
"Vocês estão aqui a pé ou a cavalo. Nós estamos aqui em nome de Deus!", gritaram os colonos em Sa-Nur. Também se ouviu: "Não vão conseguir dormir nada esta noite, criminosos." Ou: "Irmão que expulsa irmão é para sempre maldito!"

Casas demolidas em GazaOs dois contentores que haveriam de retirar os colonos foram içados primeiro vazios, na esperança de que alguém entrasse neles voluntariamente. No entanto, em cima do telhado, alguns dos barricados usaram paus, estacas e escadotes de madeira para impedir a evacuação.
Chegou entretanto um carro de bombeiros, que fez erguer dois homens e uma mangueira. Ao vê-los próximos do telhado, um jovem mais exaltado, de T-shirt laranja (a cor dos opositores da retirada, numa associação com o amarelo das estrelas que os nazis obrigavam os judeus a usar), tentou atingir os bombeiros com uma trave de madeira. Um homem mais velho, de barba branca, procurou impedi-lo. Quase caíram os dois. Foi um momento de comoção ao início da tarde: as forças de segurança deram todo o tempo os colonos para exprimirem a sua fúria.
Os contentores continuaram a ser afastados com traves de madeira. Foi então que a mangueira dos bombeiros entrou em acção, para alegria de alguns soldados que acompanharam a cena sentados no chão, a comer gelados. "Action!", exultaram.
Os contentores foram vagarosamente descidos ao chão, mas quando voltaram a subir já iam carregados de polícias de choque, que não demoraram a levar, um por um, os colonos do telhado até às caixas gigantes. Já para saírem destas caixas e entrarem nos autocarros foi um caso sério. Os gestos de desobediência tornaram-se mais agressivos. Os gritos mais agudos. Nada que mais homem, juntando-se aos quatro que já seguravam braços e pernas, não conseguisse resolver. Alguns jornalistas viram agentes a usar sprays de gás lacrimogéneo e extintores de incêndio para forçar os colonos a entrar nos contentores.
Em Homesh, sobretudo na yeshiva (escola talmúdica), há relatos de ataques às tropas com ketchup, tinta, óleo de cozinha e até sacos de urina. Um colono também foi detido por ter tentado esfaquear um soldado, mas os agentes foram mais fortes do que os resistentes e, ao fim do dia, toda a comunidade tinha partido.
Na Faixa de Gaza, o chefe de Estado-Maior do Exército, Dan Halutz, revelou que as casas desocupadas nos 25 colonatos (um total de 15.000 pessoas - 9000 habitantes mais infiltrados) serão demolidas nos próximos dez dias. A retirada dos soldados deverá ficar concluída "até finais de Setembro", altura em que as terras passarão para controlo palestiniano.

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