Mo Mowlam Morreu a mulher que abriu o caminho da paz na Irlanda do Norte

Lutou pela reconciliação enquanto lutava pela própria vida. Foi esta coragem e empenho que lhe garantiram a admiração dos britânicos. Mas não a glória

Morreu Mo Mowlam, uma das figuras políticas mais populares no Reino Unido, que lutou pela vida ao mesmo tempo que conseguiu um histórico acordo de paz na Irlanda do Norte O cancro conseguiu finalmente derrotá-la aos 55 anos, depois de uma guerra sem tréguas iniciada no final de 1996, quando lhe foi diagnosticado um tumor cerebral.O estado de saúde de Mo Mowlam deteriorou-se irreversivelmente quando lhe foram desligadas as máquinas de apoio na passada terça-feira num hospital na Cantuária. Morreu ontem às 8h10 da manhã. A ex-ministra não tinha recuperado a consciência depois de ter batido com a cabeça numa queda dada em sua casa no início deste mês. Mowlam sofria de falta de equilíbrio relacionada com os violentos tratamentos de radioterapia que recebeu para contrariar a progressão do tumor cerebral. A família vai fazer um funeral privado, ficando por agendar uma cerimónia de homenagem pública.
Corajosa, apaixonada, franca, entusiasta, teimosa e determinada são alguns dos adjectivos que amigos e colaboradores políticos lhe conferem. Marjorie Mowlam também foi uma mulher bonita, antes da radioterapia lhe destruir o cabelo, a engordar e envelhecer. Os amigos (um pequeno círculo,) garantem que ela nunca se recompôs de ter perdido "the good looks".
Nascida em Watford, a 18 de Setembro de 1949, numa família modesta e com um pai alcoólíco, a jovem Marjorie cedo percebeu que os estudos eram a única porta de saída daquela "vida doméstica deprimente e traumática", como recordava ontem nas páginas do diário The Guardian a sua biógrafa Julia Langdon. Em 1968, quando entrou na Universidade de Durham para estudar Sociologia e Antropologia, também se filiou no Partido Trabalhista.
Depois, decidiu ir atrás de um namorado inglês e mudou-se para os Estados Unidos onde esteve seis anos. Doutorou-se em Ciências Políticas, deu aulas, sobreviveu a uma tentativa de assassínio por parte de um desconhecido que entrou em sua casa na Florida e arranjou um namorado americano. Julia Langdon garante que este "era o tal", mas morreria tragicamente afogado quando nadava num lago. Só 16 anos mais tarde é que Mo Mowlam se casou com o banqueiro Jon Norton. O casal não teve filhos.
Foi de regresso à Grã-Bretanha, em 1979, que a carreira política de Mowlam começou a sério, quando começou a obter as credenciais que a tornariam numa possível candidata parlamentar. A ascensão não seria rápida. A entrada na Câmara dos Comuns só aconteceria em 1987, quando foi eleita pela circunscrição de Redcar.
Dez anos depois, Mowlam estava ao lado de Tony Blair quando o New Labour venceu estrondosamente as legislativas de 1997. Foi nomeada ministra para a Irlanda do Norte, posto-sombra que já ocupava nos últimos anos na oposição. A biógrafa Julia Langdon garante que esta não era a pasta que Mowlam ambicionava ter, sonhando antes integrar a equipa de Gordon Brown, o poderoso ministro das Finanças, algo que lhe foi negado devido a divergências com o próprio Brown
Portanto, a Irlanda do Norte seria inicialmente uma espécie de exílio, mas rapidamente Mo Mowlam percebeu que era um desafio irrecusável e começou a trabalhar incansavelmente para fazer avançar o processo de paz naquela província britânica. E isto ao mesmo tempo em que já lutava contra o cancro, algo que só seria revelado à imprensa durante a recta final das negociações que levaram à assinatura do Acordo de Sexta-Feira Santa, em 1998.

Depois de Stormont, a quedaFoi uma Mo Mowlam desgastada, ora com lenços exóticos na cabeça a disfarçarem a queda do cabelo, ora com uma peruca que tentava esbater a deterioração da sua imagem, que conduziu o processo de aproximação de unionistas e republicanos o qual culminou num acordo prevendo uma inédita partilha de poder na Irlanda do Norte.
A energia de Mowlam parecia inesgotável e as barreiras foram sendo quebradas. Levou o Sinn Féin (ala política dos IRA) à mesa das negociações (terá mesmo ameaçado Gerry Adams com pancada), visitou a linha dura dos unionistas na prisão de Maze, insultou o unionista radical Ian Paisley com um "Fuck off!" (garante Langdon) e obrigou Blair, o primeiro-ministro irlandês, Bertie Ahern, e o então Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, a fazerem esforços extra para garantirem a assinatura do histórico acordo de paz.
A BBC recordava que num dos muitos "momentos quentes" das negociações, Mo Mowlam terá mesmo tirado a sua peruca em sinal de exasperação, o que acabou por pôr toda a gente a rir, desbloqueando desta forma o impasse que se vivia naquele momento.
Ao acordo de Stormont seguiu-se a consagração da ministra mais popular do Governo Blair, não só por ter garantido a paz na Irlanda do Norte, mas principalmente por ter demonstrado a coragem de executar tamanha missão ao mesmo tempo que lutava pela própria vida. Na Conferência do Labour de 1998, durante o discurso de Blair, recebeu uma estrondosa ovação que remeteu o primeiro-ministro ao silêncio durante longos minutos.
Nesses dias falava-se já de uma futura primeira-ministra, mas a verdade é que em vez da glória veio a queda. Júlia Langdon refere "sinais preocupantes". O seu comportamento era "muitas vezes idiossincrático, provavelmente um sintoma do tumor cerebral", escreve a biógrafa, "e ela tinha começado a acreditar na sua própria invencibilidade".
Blair "despediu-a" do posto norte-irlandês, substituindo-a por Peter Mandelson e convidou-a a candidatar-se pelo Labour à Câmara de Londres para defrontar o rebelde Ken Livingtson, tarefa que Mowalm recusou. Também recusou o posto de ministra da Saúde (queria os Negócios Estrangeiros) e acabou por ser colocada numa "prateleira dourada" no Cabinet Office (uma espécie de gabinete do primeiro-ministro), onde nunca disfarçou a falta de interesse pelas suas novas funções.
Em 2001, no meio de uma alegada campanha de difamação, que questionava a as suas capacidades intelectuais devido ao seu estado de saúde, Mo Mowlam abandonou a vida política.
A ex-ministra escreveu nas suas memórias a propósito do seu afastamento da pasta da Irlanda do Norte: "Já não me sentia como um camarada a lutar pelas mesmas causas. Sentia-me mais como um saco de batatas que eles queriam enfiar em qualquer lado". Em 2001 o sentimento mantinha-se, com a agravante que era cada vez mais difícil para Mowlam "defender aquilo que o Governo trabalhista fazia".

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