Torne-se perito

RTP propõe reflexão sobre emissão de imagens de fogos

O director de informação da RTP diz que só a concertação entre as três estações possibilitará fazer alguma coisa

A RTP vai propor às direcções de informação da SIC e da TVI uma reunião para abordarem a questão da exibição de imagens de incêndios nos noticiários, anteontem criticada na Assembleia da República pelo deputado Francisco Louçã, líder do Bloco de Esquerda. A iniciativa da RTP foi revelada ao PÚBLICO pelo seu director de Informação, Luís Marinho, que adiantou que a discussão deste assunto no Parlamento coincidiu com a intenção de se fazer uma reflexão na RTP. "Não temos uma decisão tomada. Mas temos de reflectir e ver o que fazer", esclareceu.
Luís Marinho lembrou as responsabilidades da RTP como operador de serviço público, mas considera que para se fazer alguma coisa terá de ser "concertada entre as três" estações de televisão, e por isso está "disposto a promover uma reflexão" sobre as imagens de incêndios com as outras televisões.
Esta posição é uma reacção à sugestão, por Francisco Louçã, de que as televisões façam um acordo de modo a não passar imagens de fogos (ver PÚBLICO de ontem). O deputado disse que nos Estados Unidos e em vários países europeus as televisões não mostram chamas, mas noticiam o que se passa e falam com todos os intervenientes. Essa política editorial é decorre do facto de as imagens de chamas serem consideradas um incentivo aos pirómanos.
Em resposta a Louçã, António Costa, ministro da Administração Interna e primeiro-ministro em exercício durante as férias de José Sócrates, considerou que seria "errado os agentes políticos pronunciarem-se" sobre este assunto. Disse no entanto que as televisões nacionais "cobrem os incêndios de forma distinta das suas congéneres de outros países". "Há um acordo estabelecido em Espanha segundo o qual não há exibição de chamas. Muito menos existe um pivot de telejornal com chamas em fundo", acrescentou. Deputados do PS e do CDS manifestaram-se também contra a divulgação de imagens das chamas.
Esta não é a primeira vez que a questão é levantada. O subdirector de informação da SIC, José Gomes Ferreira, contou num artigo de opinião na SIC On-line, datado de dia 4, que há cerca de ano e meio o ministro da Agricultura de então [Sevinate Pinto] "quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão". O argumento invocado era justamente o de que os incendiários se sentiriam motivados pelo visionamento de fogo nos ecrãs. "Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite", conta ainda José Gomes Ferreira.

Especialistas defendem contenção
"Acho bem que haja um acordo entre os canais de TV para não se excederem certos limites em relação à exibição de imagens de fogo", disse ao PÚBLICO José Rebelo, professor de Sociologia dos Media no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa). No entanto, discorda de que as imagens de fogo sejam totalmente banidas dos noticiários. "As chamas existem e é preciso mostrá-las. Não mostrar nada também acaba por ser manipulador", considera.
José Rebelo manifesta-se favorável a um acordo entre as televisões para limitarem a emissão de imagens de incêndio ao estritamente informativo e diz que os limites a que se refere "não são determináveis cientificamente, antes resultam do bom senso". E adianta que os responsáveis sabem fazer essa distinção. "O que está em causa é se se pretende dar informação ou criar efeitos de espectáculo que encenam uma realidade sobre a realidade. Em TV, o espectáculo acaba por ser interessante em termos de audiências."
Outro investigador, José Luís Garcia (sociólogo que trabalha nas áreas dos media e do ambiente no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), realça que as imagens de fogo "são ancestralmente poderosas" e que "o efeito mimético dos media e dos comportamentos sociais é algo estabelecido". Por isso, "deveria haver uma contenção das televisões na exibição das imagens e uma discussão enquadrada e contextualizada com especialistas".

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