Juan Gris O outro cubista

Dele Apollinaire dizia que era "um demónio da lógica" porque a lógica matemática e geométrica foram uma obsessão para Juan Gris. O Museu Rainha Sofia, em Madrid, expõe 250 obras deste pintor espanhol que chegou ao cubismo depois de Picasso e Braque. Por José J. Mateus, em Madrid

Foi amigo de Picasso e Braque e é um pintor cubista, mas é menos conhecido do que os dois nomes grandes do cubismo (há ainda Fernand Léger) e as suas obras não atingem nos leilões o preço de um Picasso. Juan Gris (1887-1927) foi um cubista diferente de Picasso e Braque, como se mostra na exposição do Museu Rainha Sofia, em Madrid. Juan Gris - Pinturas e Desenhos (1910-1927) é uma das grandes exposições do Verão em Espanha. Até 19 de Setembro.O pintor encontrou-se várias vezes com ambos em Paris, para onde foi viver em 1906. Numa carta conta um episódio da amizade com Picasso, passado em 1917: "Picasso veio ver-me. Passámos a tarde juntos. Mostrei-lhe o meu trabalho mais recente e parece-me que gostou muito. Estou muito contente porque sempre acreditei que o que faço é espantoso." Um episódio em 1921 veio mudar esta relação: Diaghilev pede-lhe para o ajudar nos cenários do ballet Quadro Flamenco, mas Picasso antecipa-se e é ele que faz o trabalho. Com Braque também houve alguns mal-entendidos. Gris não perdoa as críticas que Braque lhe fez por ter participado em algumas exposições no início dos anos 20. "Vi algumas coisas recentes de Braque, que são fracas e imprecisas. Comprovo com prazer que não me agradam; tiram-me um peso de cima, já que gostava tanto da sua pintura ao ponto de me sentir humilhado", diz por carta ao galerista Kahnweiler.
Mas admirava-os, ao ponto de o expressar nos seus quadros, como Homenagem a Picasso (1911), ou de forma menos implícita na série Janelas Abertas (1921-22), que "podem ser interpretadas como a sua resposta aos guaches sobre o mesmo tema que Picasso pintara anos antes", diz a comissária Paloma Esteban Leal, que levou quatro anos a preparar a exposição (custou dois milhões de euros, 900 mil vieram de dois patrocinadores privados) e a reunir as obras de Gris.
Os arlequins e pierrots da fase final de Gris são também "uma clara alusão" às figuras da comédia dell"arte que Picasso sempre pintou. As referências a Braque, diz Paloma Leal, estão em Natureza Morta com Flores (1912), que remete para uma das obras mais conhecidas de Braque, Piano and Mandola (1909-10).
A escritora norte-americana Gertrude Stein chega mesmo a escrever que "o único cubismo verdadeiro é o de Picasso e de Juan Gris". "Picasso criou o cubismo e Gris deu-lhe a sua claridade pessoal e exaltação." A pintura de Gris era, de facto, diferente do que faziam Braque ou Picasso. Gris, no seu processo de composição, partia de uma estrutura abstracta que só depois se identificava com objectos reais. Dizia que, "de uma garrafa, Cézanne faz um cilindro; eu parto desse cilindro para criar um indivíduo; de um cilindro faço uma garrafa. Cézanne já fazia arquitectura, eu parto dela". Braque e Picasso criavam formas abstractas a partir de objectos concretos, onde a representação da sua forma volumétrica é a grande preocupação (o cubismo analítico).
Gris cria uma variante do cubismo, o cubismo sintético. A pintura faz-se a partir de cálculos matemáticos e da proporção geométrica. O artista estudou matemática antes de escolher a pintura. Dizia que o "lado arquitectónico da pintura é a matemática, o seu lado abstracto". Chamava ao seu sistema compositivo "arquitectura plana colorida", que se caracteriza pelo "emprego sistemático de planos sobrepostos de cor e textura", como escreve a comissária Paloma Esteban Leal no catálogo.
As diferenças entre os três acentua-se ainda mais pela utilização da cor em Gris, outra das particularidades do seu cubismo, contra os tons negros de Braque e Picasso.
Na exposição, estão 250 obras das 700 que Gris fez (130 emprestadas por particulares e pelos melhores museus do mundo), realizadas entre 1910, "a partir do momento em que Gris toma consciência da sua condição de pintor e decide dedicar-se em exclusivo à pintura [no início, para sobreviver, fazia ilustrações para a imprensa]", e 1927, quando morre aos 40 anos - nasceu em Madrid, em 1887 -, baliza Paloma Esteban Leal.
As obras ocupam duas grandes salas do museu, no edifício Sabatini e no edifício Nouvel, desenhado pelo arquitecto Jean Nouvel, autor da ampliação do Rainha Sofia. A exposição foi montada com a lógica de mostrar, disse a comissária na visita para a imprensa internacional, como "Gris teve uma linha de evolução absolutamente coerente".
O jornalista do PÚBLICO viajou
a convite do Museu Rainha Sofia

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