O baterista Roy Haynes celebrou o presente no Parque de Palmela

Este ano o Estoril Jazz intercalou quatro concertos em recintos fechados com os dois fins-de-semana do evento principal. Este fio condutor esteve a cargo do trio de Lynne Arriale, elogiada pela crítica pela qualidade lírica dos seus improvisos. Embora não seja dotada de um cunho próprio que a destaque inequivocamente como uma voz singular, é uma pianista de grande talento. As primeiras duas noites incluíram ainda dois convidados: a vocalista Marta Hugon e o trompetista João Moreira, os únicos portugueses no festival. O trio abordou um repertório variado, equilibrando temas originais com material de conhecidos pianistas contemporâneos. O trio tocou de forma coesa, onde a proliferação e qualidade das ideias contribuíram para quatro noites de música com um elevado grau de excelência.Marta Hugon, dotada de um magnífico timbre de voz, boa afinação, e um sentido natural de swing, brilhou em palco com a descontracção própria de uma profissional à altura de uma secção rítmica de primeira linha. A sintonia entre a cantora e o trio foi óbvia, contribuindo para um dos melhores momentos deste festival.
Já o encontro com João Moreira não resultou de forma tão feliz. A reverberação excessiva da sala, conjugada com o pedal de efeitos, não contribuiu para o som do trompetista. Exibiu um bom domínio sobre a harmonia dos temas, mas não conseguiu aproveitar totalmente as potencialidades dos companheiros. A sua concentração incidiu na reprodução de um ambiente próximo de Miles Davis, nos anos 60, em vez de procurar criar uma proposta nova, partilhada com três músicos singulares. Resultado: uma actuação desinteressante que não cativou o público.
The Charlie Parker Legacy Band propôs uma homenagem a Charlie Parker, grande referência do jazz da década de 50, apostando na simbiose entre um grupo de jovens solistas e uma secção rítmica da velha guarda. Mas esta aparente fórmula de infalível sucesso esteve muito aquém das expectativas. Jesse Davis várias vezes pareceu não estar à vontade com o repertório, restringindo os solos a um mínimo. Jimmy Cobb esteve longe do seu esplendor nos anos 50. O baterista repetiu sistematicamente as mesmas ideias com uma articulação por vezes trôpega, prejudicando a memória que tínhamos de um ídolo incontestável do cool jazz. Em contrapartida, Ray Drummond destacou-se com um solo magnífico no tema Au Privave.
Roy Haynes apresentou o seu projecto mais recente, Fountain of Youth, acompanhado por três talentosos músicos que podiam ser seus netos. Sendo um dos grandes bateristas do estilo Be bop, Haynes influenciou várias gerações de músicos, mantendo-se sempre envolvido com a actualidade. Foi com esse espírito que esteve em palco, não deixando passar despercebido o chilrear dos pássaros que se sobrepunha à sua música. "Bird lives...", comentou em alusão a Charlie Parker. Mas Haynes quis celebrar o presente e fê-lo com a generosidade de um hábil pedagogo: impulsionou os mais novos na direcção de uma actuação inspirada. Consequentemente, três jovens atentos deram o seu melhor obtendo um desempenho excelente, onde o mestre não deixou de brilhar.
A Orquestra de Count Basie veio reviver a memória de uma das grandes figuras da era do swing, interpretando várias obras-primas da música ligeira afro-americana. Foi neste contexto que o actual regente, Bill Hughes, dirigiu composições e arranjos de alguns dos mais destacados criadores dessa era de grandes orquestras: Thad Jones, Sam Nestico e Neal Hefti. Os músicos fizeram respirar essas amplas paisagens sonoras, realçando a subtileza de texturas e dinâmicas, com um som cheio e reverberante. A voz magnífica de Melba Joyce, um misto entre Sarah Vaughn e Anita Baker, completou este quadro revivalista de forma coerente. Foi um excelente remate para o festival.

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