Proposta moratória para acabar com lapidações e pena de morte no islão

Académico lança apelo aos países muçulmanos. Tariq Ramadan insiste na ideia de que o debate e as eventuais mudanças têm que partir do interior do mundo islâmico

Um apelo ao estabelecimento de uma moratória na aplicação de castigos corporais, lapidações e pena de morte no mundo islâmico foi lançado por Tariq Ramadan, um destacado académico muçulmano da Suíça, que se tem dedicado ao debate sobre o papel do islão em sociedades democráticas. "É preciso que cessem imediatamente todas as injustiças legalizadas feitas em nome do islão", escreve o autor de Western Muslims and the Future of Islam (Os Muçulmanos do Ocidente e o futuro do islão), editado em 2003 pela Oxford University Press. O texto de Tariq Ramadan foi publicado em diversos jornais do Ocidente e de países muçulmanos, bem como em três dezenas de sítios da Internet e disponibilizado em www.tariqramadan.com. O seu objectivo é abrir o debate sobre a aplicação da sharia (a lei islâmica) ou das hudud (literalmente: os limites), as penas relativas à aplicação do código penal islâmico. Casos como os de Amina Lawal, a nigeriana que há dois anos foi condenada à morte por apedrejamento, acusada de adultério, estão em pano de fundo.
No documento, Ramadan escreve que a maioria dos estados com sociedade maioritariamente muçulmanas "não garante um tratamento justo e igual dos indivíduos perante a lei". Também por essa razão, o autor do apelo - considerado pela revista Time como um dos 100 mais influentes pensadores contemporâneos - considera que a sua responsabilidade moral e religiosa o leva a pedir a "imediata cessação da aplicação" daquelas penas.
Periodicamente, escreve o investigador, as sociedades muçulmanas e os muçulmanos do mundo são confrontados com a aplicação das leis ligadas ao código penal islâmico. E afirma: "Os termos do debate são hoje determinados por uma questão central na discussão entre os ulema [sábios e líderes religiosos] e/ou entre os muçulmanos: o que é ser fiel à mensagem do islão na época contemporânea? Para lá do que é exigido a cada um, na sua vida privada, o que se requer para uma sociedade que se definiria como "islâmica""?
Ramadan insiste na ideia de que o debate sobre o tema e as eventuais mudanças têm que partir do interior do mundo islâmico. O apelo implica uma mobilização dos muçulmanos através do mundo, diz. A abertura de um vasto debate "crítico, razoável e argumentado" entre os ulema, os intelectuais, os líderes e as populações é igualmente necessária.

Promover justiça socialO autor não se fica pelo âmbito do debate. Os ulema devem ousar "denunciar as injustiças e a instrumentalização do islão" e apelar eles próprios a uma moratória dos castigos. A promoção da educação das populações muçulmanas é outro passo importante. "A aplicação de medidas repressivas e de castigos não torna uma sociedade mais fiel aos ensinamentos islâmicos: é mais a capacidade de promover a justiça social e a protecção da integridade de cada indivíduo, homem ou mulher, pobre ou rico, que determina a sua fidelidade autêntica."
Tariq Ramadan acrescenta no seu texto que "a norma, no islão, são os direitos que se protegem e não as penas que se infligem". E que "é urgente" os muçulmanos recusarem "legitimações formalistas do ensino da sua religião", reconciliando-se com "a profundidade de uma mensagem que convida à espiritualidade e exige a educação, a justiça e o respeito do pluralismo".
O académico, nascido em Genebra (Suíça), em 1962, sublinha que há muitas correntes de pensamento no mundo islâmico e que os desacordos e ideias diferentes são "numerosos, profundos e recorrentes". Mesmo em relação à aplicação da sharia e das hudud, bem como à fundamentação das mesmas - alguns consideram ser o Alcorão, outros contestam essa ideia.
Situações como a apostasia, o roubo ou comportamentos considerados ofensas (incluindo a oposição política) podem ser sancionados com penas hudud. Estas são vistas por juristas muçulmanos como derivadas do Alcorão ou da suna (as tradições do profeta Maomé) e podem ser concretizadas em castigos corporais, apedrejamentos e aplicação da pena capital.

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