A NAIFA Trip-fado do quotidiano

A banda de João Aguardela e Luís Varatojo encerra este fim-de-semana, no Centro Cultural de Belém, a digressão de apresentação de Canções Subterrâneas. Por Eurico Monchique

A Naifa é um projecto português. A Naifa partiu de dois veteranos - o baixista João Aguardela, ex-Sitiados, e o guitarrista Luís Varatojo, ex-Peste & Sida -, que juntaram a vocalista Mitó e o baterista Vasco Vaz. E fazem, segundo um epíteto que Aguardela já nem se dá ao trabalho de fazer, trip-fado - poetas portugueses, guitarra portuguesa e voz melancólica sobre ritmos lânguidos e pedaços de electrónica. Terminam este fim-de-semana em Lisboa a digressão de apoio ao álbum de estreia, Canções Subterrâneas, e Aguardela explica como passaram de projecto a banda e a sua forma de fazer política. PÚBLICO - Como são estas Canções Subterrâneas em palco?
JOÃO AGUARDELA - Ganharam alma. Quando acabámos o disco, não tínhamos a certeza de se seríamos uma banda, no sentido de grupo de pessoas que podiam partilhar aquela música num espaço ao vivo, e essa certeza foi o que ganhámos com esta digressão. As canções modificaram-se, não tanto em termos musicais, mas sim em termos emocionais; tivemos que aprender uma nova forma de estar.
Como é estar sentado em palco, após o "ciclone" no tempo dos Sitiados?
N"A Naifa tem que se ter uma forma de estar mais contida, para se conseguir passar a mensagem daqueles poemas para quem está a ouvi-os. E, por incrível que pareça, exige pelo menos quase tanto esforço como exigiria a prestação dos Sitiados. Aliás, essa foi a lição mais engraçada que eu aprendi com A Naifa. É chegar ao fim dos espectáculos igualmente exausto.
Qual foi o vosso ponto de partida para o projecto?
A motivação foi o trabalho na Linha de Frente, que era em função de cada um dos vários cantores. Depois surgiu a ideia de continuar a trabalhar em conjunto, a servir apenas uma voz. Decidimos inventar uma música nova. A partir daí começámos a fazer pequenos fragmentos de música, a escolher poemas no estúdio com uma série de livros à nossa volta. Nunca houve uma ideia muito definida de qual seria o resultado.
Lutou durante muitos anos pela "sua" música portuguesa. Agora conseguiu os resultados que queria?
Sim e não. Não tenho de todo a noção de estar a desenvolver qualquer tipo de luta ou de afirmação. O que eu faço são experiências que têm que ser feitas, e isso a nível pessoal. Num segundo momento, sim, estas coisas acabam por ser transmitidas às outras pessoas e eu nisso sou muito liberal - em determinadas alturas estarão voltadas para determinado tipo de coisas. No caso d"A Naifa, foi de alguma forma uma pequena surpresa, porque, ainda que para já de uma maneira modesta, parece-me que se começa a chegar às pessoas.
A Naifa foi pensada como um projecto isolado, ou vai haver segundo disco?
Quando começámos, foi única e exclusivamente pelo prazer de experimentar, de trocar ideias. Foi um percurso que de repente deu origem a um disco, a espectáculos - descobrimos uma área, criámos o nosso pequeno universo, e nesse sentido penso que ainda temos bastante campo para explorar. Já vivemos há um ano e meio com A Naifa, as pessoas estão mais dentro do assunto, e a nossa vontade é, obviamente, continuar.
Que procuraram nas letras dos "jovens" poetas portugueses que musicaram?
O que nos agradou nestes poemas é que reflectem a maneira como nós olhamos para o que nos rodeia. Mais do que optimistas ou pessimistas, são realistas - são do quotidiano. Quisemos fazer música que fosse perfeitamente plausível de ouvir no café ou na rua, e acabámos por ir à procura de poemas que servissem esse tipo de ambiente mais quotidiano.
A Naifa é menos abertamente política do que os Sitiados?
É política, mas de uma forma, uso de novo a palavra, mais quotidiana. Política é as opções que as pessoas tomam no dia-a-dia. E no caso d"A Naifa, a atitude mais política é provar que podemos fazer rigorosamente o que nos apetece, sem estarmos sujeitos a determinados parâmetros ou determinado tipo de marketing - é essa a principal mensagem política n"A Naifa.

A Naifa
LISBOA Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém. Praça do Império.
Tel.: 213 612 400. Hoje e amanhã, às 21h00. Bilhetes a 12 euros.

Sugerir correcção