Saul Bellow O último grande romancista americano

Nobel da Literatura em 1976, escreveu romances inesquecíveis que marcaram a literatura da América dos anos 50 e 60 do século passado

Saul Bellow, o último dos gigantes da literatura norte-americana, morreu na terça-feira à noite, aos 89 anos, na sua casa em Brookline, Massachussets. Com ele, morreu a linhagem dos grandes romancistas que reinventaram a literatura norte-americana do século XX. "Saul Bellow, com William Faulkner, definiu o caminho da literatura americana no século passado. Juntos, são o Melville, Hawthorne e Twain do século XX", comentou ontem o escritor Philip Roth.
A morte de Bellow foi anunciada pelo seu advogado e grande amigo Walter Pozen. "A sua saúde há muito estava a declinar, mas o seu espírito continuava impressionantemente lúcido", comentou. Junto a Bellow, nos últimos momentos, esteve a sua quinta mulher, Janis Freedman, uma antiga aluna com quem casou aos 74 anos (ela tinha 31), e a filha de ambos, Naomi Rose, de 6 anos. Dos seus casamentos anteriores, o escritor teve três filhos.
Autor de romances inesquecíveis que marcaram gerações de leitores em todo o mundo, e particularmente na América dos anos 50 e 60, Saul Bellow, filho de pai lituano e mãe letã, nasceu num subúrbio de Montreal, no Canadá, mas cresceu em Chicago, onde a família se estabeleceu quando tinha nove anos. A cidade exerceria sobre ele uma poderosa influência, e marcaria para sempre a sua escrita: "Quando se investe parte da nossa existência num lugar, isso acaba por ter um significado. Não é necessariamente amor. É só uma atracção poderosa. Realmente não sei o que é...", diria o escritor, de Chicago.
Só no final da vida Bellow abandonaria a cidade do seu coração, desencantado com os conflitos raciais e destroçado pela perda dos amigos mais próximos. Raras vezes na sua vida se afastara de Chicago: quando serviu na marinha mercante, na Segunda Guerra Mundial, e quando viveu em Paris ao abrigo de uma bolsa da Guggenheim Fellowship ­- onde terá tido a epifania que resultou na construção da sua mais mítica personagem, Augie March.
Logo nos seus primeiros livros, os críticos identificaram uma nova voz na literatura dos EUA, que em conjunto com Norman Mailer e Bernard Malamud, seria mais tarde classificada como ficção judaico-americana do pós-guerra. Bellow nunca gostou da etiqueta. "Não tenho qualquer desejo de fazer parte do trio de Hart, Schaffner e Marx das letras americanas", ironizou. Eruditos e profundos, os escritos de Bellow revelavam personagens e ambientes modernos, precários, emocionantes, equívocos, perigosos, brutais... em crise, à beira do colapso, à procura da verdade, de uma razão. A crítica e ensaista Cynthia Ozick considerou Bellow "um escritor destemido e um génio". "Não tinha medo de lidar com ideias, ao contrário de todos os autores americanos. A sua linguagem tanto era ao mesmo tempo a dos eruditos e a do homem da rua. Antes dele, tínhamos tido uma ou outra, nunca as duas juntas", disse ao Los Angeles Times.

Inventor dos "heróis existenciais"
Muitos atribuem-lhe a responsabilidade pela invenção dos "heróis existenciais" da literatura: Augie March, o verdadeiro americano, errante, em busca das linhas essenciais da vida - verdade, amor, paz, gratificação, proveito, harmonia (do livro As Aventuras de Augie March, de 1953); Eugene Henderson, um violento filho de um milionário desesperado com uma voz interior que repete "Eu quero, eu quero, eu quero..." (Henderson The Rain King, 1959); o professor de inglês Moses Elkanah Herzog, cuja vida se desintegra (Herzog, 1964) ou Charles Citraine, o autor e vencedor de um Pulitzer que só encontra paz de espírito na reminiscência da vida do seu amigo Von Humboldt Fleischer (Humboldt"s Gift, 1975).
"As suas personagens eram absolutamente idiossincráticas. As suas descrições físicas totalmente originais", nota Cynthia Ozick. Eram também, reconhecidamente, autobiográficas. "A ficção é a forma suprema da autobiografia", declarou. Os seus amigos, as suas mulheres, a sua condição de judeu filho de emigrantes e a sua cidade de Chicago eram as suas permanentes fontes de inspiração.
Bellow foi o primeiro escritor a receber o National Book Award de ficcção três vezes. Foi também o primeiro americano agraciado com o International Literary Prize. Ganhou um Pulitzer e, em 1976, o Nobel da literatura, com a Academia sueca a sublinhar a "exuberância" das suas ideias e a "ironia, comédia e compaixão" dos seus textos.
Além de um autor prolífero (mais de uma dezena de romances, novelas, contos, peças de teatro, críticas literárias e ensaios) e de um ávido leitor, Saul Bellow foi, até ao fim da vida, um professor - passou pelas conceituadas universidades de Princeton, Nova Iorque, Minnesota, Boston e durante mais de trinta anos na de Chicago. "Saul Bellow não era apenas um grande escritor, era ainda um soberbo professor e amigo, um homem maravilhoso e completo", comentou ontem o antigo presidente da Universidade de Boston, John Silber.
Nas suas aulas de literatura procurou estimular, acima de tudo, o prazer pela leitura. "O leitor comum devia ser protegido da sobre-interpretação - a maior parte das vezes má interpretação - académica dos livros", considerava. "Os professores universitários têm uma maneira muito própria de transformar o texto numa coisa esotérica, impossível de entender sem a ajuda profissional de um académico", censurava Saul Bellow.

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