Torne-se perito

Falta de consenso científico prejudica combate eficaz à doença do montado

Os cientistas portugueses não se entendem sobre as causas do declínio do montado, apesar de já existirem estudos que apontam para um fungo como um dos principais responsáveis

Ana Fernandes

O que é que está a matar o montado? Para alguns é um conjunto de circunstâncias, que vão desde o clima às más práticas agrícolas. Para outros, a resposta está num fungo, que ataca as raízes. Mas não há consenso e a sua ausência tem adiado a tomada de medidas. Para ultrapassar esta lacuna, agricultores e cientistas apelam à criação de uma task force, uma equipa multidisciplinar que fale a uma só voz.Pelo menos desde 1898 que há referências à misteriosa morte dos sobreiros, com sintomas semelhantes aos que hoje se verificam: mudança da cor das folhas, queda anormal da folhagem, seguida de uma morte progressiva da extremidade dos ramos e perda de líquido pelo tronco. Por fim, a árvore seca. Nalguns casos, tudo acontece mais depressa, ocorrendo a morte súbita.
Em meados do século passado, Pimentel interessa-se pelo declínio do sobreiro e isola um agente patogénico, a Phytophthora cinnamomi (fitóftora), retirado de amostras da árvore. Mas a investigação sobre esta possível explicação para a morte desta espécie não foi prosseguida. Durante quase meio século, o problema parece ter interessado pouco a comunidade científica, refere o engenheiro agrónomo José Ferreira Pereira Ferraz, vice-reitor da Universidade do Algarve e que há 14 anos estuda a morte do sobreiro.
Ainda nessa altura, a opinião de diversos especialistas, como Vieira Natividade e Baeta Neves, era a de que as más técnicas agrícolas eram as grandes responsáveis pelo declínio do montado. "A seara é um parasita do sobreiral", concluía Natividade, há mais de meio século.

Estudo inconclusivoNos anos 80 o número de árvores mortas atingiu um importante pico, o que levou os subericultores a exigirem um estudo aturado sobre as causas. Essa exigência resultou num projecto de investigação da Estação Florestal Nacional, Direcção-Geral de Florestas, Universidade de Évora e Serviço Nacional de Parques, concluído já na década de 90. Neste trabalho foram deitadas por terra algumas teorias até então aceites, como a coincidência com períodos de seca ou o facto de as pragas observadas não serem a causa da mortalidade. No entanto, não se avançavam explicações cabais para o que estava a acontecer.
Mas, como nota Ana Cristina Moreira, investigadora da Estação Agronómica Nacional, não foram estudadas as raízes e o solo. Esta cientista é uma das responsáveis, juntamente com outros especialistas da Universidade do Algarve, pela prossecução dos estudos iniciados por Pimentel, relacionando a fitóftora com a morte das árvores.
Mas esta opinião não é unânime. Vários investigadores, incluindo os técnicos da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, consideram que as causas são várias, uns defendendo mais umas explicações que outras. E estas variam entre stress hídrico, más práticas culturais, fungos, insectos e clima, chegando alguns a falar no aumento das temperaturas que o planeta vive.
Cristina Moreira não é radical na defesa da sua tese, embora acredite que a fitóftora é uma das principais causas da morte: "Mas o sobreiro pode viver com o fungo, se estiver em equilíbrio, pois funciona como nós - se estivermos debilitados, apanhamos uma gripe mais facilmente." E considera salutar o debate de diferentes opiniões.
Já José Ferraz é menos complacente com quem põe em causa a culpabilidade da fitóftora: "Enquanto não me apresentarem estudos que contraponham aos nossos uma tese cientificamente provada sobre as causas do declínio do montado, não aceito que nos critiquem apenas com "eu acho" ou "eu parece-me"." O vice-reitor sublinha ainda que vários trabalhos científicos apresentados por grupos espanhóis e franceses chegam à mesma conclusão, mas diz não entender por que é que em Portugal não se aceita esta explicação.
Foi neste cenário de incerteza que Armando Sevinate Pinto assumiu os destinos do Ministério da Agricultura, levando na bagagem um grande carinho pelo montado. "Sempre me irritou a falta de conhecimento sobre este assunto e defini como objectivo alterar este quadro." Em Fevereiro de 2003, pediu aos serviços, em articulação com as associações do sector e investigadores, que preparassem o Programa de Defesa dos Povoamentos Suberícolas, onde se fizesse o diagnóstico da situação e um levantamento das necessidades de investigação e de apoio aos agricultores para promover as boas práticas.
O documento ficou pronto em Julho, mas foi obliterado pela tragédia desse Verão. Sevinate Pinto admite que a dimensão dos fogos e a necessidade de reestruturar todo o sector florestal remeteu para segundo plano o problema dos montados, que não foi retomado pelo seu sucessor, Costa Neves. O caso está agora em banho-maria, aguardando as decisões que serão tomadas pelo novo Executivo.
As respostas da ciência
Apesar das incertezas, há capacidade científica em Portugal para tentar vencer esta guerra. Na Universidade do Algarve, por exemplo, a equipa de Alfredo Cravador tenta, através da genética, encontrar indivíduos que manifestem maiores defesas contra o fungo.
Por seu lado, José Matos, do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, aposta também na genética do sobreiro para, por exemplo, identificar os genes que produzem a cortiça. E sublinha como é importante investigar a genética do agente patogénico, a fitóftora, para perceber como actua. Assim como inter-relacionar a sua acção com outros factores que afectam a árvore.
Todos os cientistas contactados pelo PÚBLICO referem duas questões fundamentais: a falta de meios com que se debatem e a necessidade da interdisciplinaridade no estudo destas questões.
"A complexidade da doença do declínio do sobreiro não se coaduna com a existência de pequenos grupos de investigação financiados por projectos de curta duração. A importância económica, social e ambiental do sobreiro e da azinheira justifica a criação de um centro de estudos que defina e coordene uma estratégia visando um estudo a médio-longo prazo sobre estas espécies em todas as suas vertentes", defende José Ferraz.

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