Bairro islâmico único em Portugal vai abrir no Castelo de S. Jorge

Vai ser em breve possível ver o maior testemunho construído da Lisboa muçulmana alguma vez descoberto: um bairro islâmico "do século XI ou XII" que arqueólogos puseram a nu junto à porta de Martim Moniz, no Castelo de S. Jorge. O conjunto, encontrado na sequência de obras para a construção de um parque de estacionamento - já posto de parte - na chamada Praça Nova do castelo, será, no próximo Verão, aberto ao público, que aqui poderá apreciar três ruas (uma delas lajeada) e os vestígios de várias habitações, com os seus pátios e alcovas. Para uma época de que são escassos os vestígios, o achado assume grande importância, como foi ontem sublinhado por arqueólogas do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar)."Tem uma dimensão considerável. É uma estrutura que não tem paralelo em Portugal", disse a arqueóloga Ana Gomes. Neste bairro, explicou, terão vivido funcionários ligados à elite instalada na alcáçova, hipótese sustentada pela ausência de vestígios relacionados com ofícios e pela presença de cerâmica com algum requinte e pelas "decorações espectaculares" encontradas no que resta das paredes das casas. "É uma planta típica da época islâmica, de ruas desencontradas que garantiam uma certa privacidade. Em Lisboa não se conhecia praticamente nada desta época", notou também a arqueóloga Alexandra Gaspar. Segundo as técnicas do Ippar, pode ver-se neste testemunho "importante para a história do urbanismo de Lisboa" uma organização clara, um aglomerado que não tem nada de caótico mas de planificado, que foi precedido pela execução de um aterro e onde as mesmas paredes mestras servem mais que uma casa". Barras decorativas ou pinturas interiores de vermelho vivo são ainda visíveis em parte dos muros de pedra que suportaram os arcos e paredes de adobe já desaparecidos, sinais seguros de alguma riqueza. Quando esta zona estiver musealizada, os visitantes poderão também apreciar um grande espólio de artefactos recolhidos por cerca de dois anos e meio de escavações - candeias, azulejos, cerâmicas, moedas (romanas, islâmicas, da 1ª e 2ª dinastias, por exemplo). Cerca de 200 peças estão já restauradas e prontas a serem exibidas, entre as quais uma bainha de punhal, "uma peça fantástica da ourivesaria" árabe.O pólo arqueológico que abrirá em 2005 faz parte de um novo percurso organizado pela EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural) que foi ontem divulgado à comunicação social, três dias antes de passar a ser paga (três euros) a entrada no monumento nacional mais visitado de Lisboa. Por aqui passam cerca de um milhão de pessoas por ano. O preço a pagar a partir de segunda-feira não se aplica aos lisboetas e acaba por ser simbólico face ao que o castelo vai passar a oferecer. É o caso de um espectáculo multimédia instalado nas salas ogival, das colunas e da cisterna, que ilustra, num "videowall" com 36 monitores, a história da cidade. Funciona das 10h às 17h30. Há ainda a atracção da "Câmara Escura", o dispositivo óptico concebido por Leonardo Da Vinci e instalado desde 1999 na Torre de Ulisses, a mais forte do castelo e por isso antiga torre do tesouro e do tombo. Trata-se de observar num prato circular horizontal imagens de Lisboa captadas por duas lentes e um espelho móvel numa amplitude de 360 graus. A experiência exige boa luminosidade atmosférica, pelo que só funciona entre 15 de Março e 15 de Setembro. O horário é igual ao anterior. O novo percurso proposto inclui ainda uma galeria de exposições instalada numa parte do antigo paço da alcáçova, que no século XIX serviu de prisão. Ao lado, foi criada uma "Sala dos Forais". A EGEAC projecta ainda a organização, a partir da Primavera, de vários percursos para os visitantes (das fontes, das portas, das pedras, por exemplo). F.N.

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