Del Neri durou dois meses

O dia da festa de apresentação da novíssima versão do FC Porto aos associados começou com um comunicado oficial: Luigi Del Neri foi despedido. O clube anunciou a interrupção do contrato laboral por "motivos de ordem particular", mas na origem da decisão terão estado as dispensas do plantel sugeridas pelo técnico italiano e as metodologias de trabalho introduzidas, bem como as dúvidas da direcção portista em relação à viabilidade do discutido 4x2x4. Por si só, o episódio da ausência de Del Neri no treino de anteontem - supostamente por ter falhado a ligação aérea para Portugal - dificilmente explicaria a rescisão, como chegou a ser veiculado, mas o certo é que ajudou Pinto da Costa a tomar a decisão de afastar o técnico do cargo ao cabo de apenas 65 dias no clube (desde a apresentação à rescisão) e sem ter realizado qualquer jogo oficial. Algo nunca visto no FC Porto. Em declarações à imprensa italiana, o treinador deixou o seu primeiro desabafo: "É um momento muito difícil, mas leio muita coisa que não é verdade. Algo que me distinguiu nestes anos foi a pontualidade. Dentro de um par de dias posso dizer qualquer coisa. Agora é melhor que sejam eles a falar. No momento certo, apresentarei a minha verdade".A primeira verdade é que este caso ficará na história do clube como o grande erro de "casting" de Pinto da Costa. Os enormes elogios feitos há pouco mais de dois meses ao ex-técnico do Chievo - uma sensação do "calcio" nas últimas temporadas - são agora uma ironia do tempo. Recorde-se que na altura da apresentação de Del Neri, a 4 de Junho, o presidente portista apontou o italiano como uma escolha pessoal. "Falámos sobre a filosofia e conceitos do FC Porto e ele demonstrou que conhecia bem o clube. Ao fim de duas ou três horas, tive a certeza que falava com o novo treinador do FC Porto. Estamos sintonizados sobre aquilo que queremos", referiu então Pinto da Costa.A demissão do italiano, que tinha contrato para as próximas três épocas, não poderá deixar de ser considerada como um dos maiores erros estratégicos em mais de duas décadas da sua responsabilidade e ensombra um processo que seria difícil logo à partida: a substituição adequada de José Mourinho, coleccionador compulsivo de títulos. A administração da SAD portista terá ficado preocupada com as exibições da equipa nos jogos particulares, assim como com a crescente contestação ao técnico e aos seus métodos por parte do plantel, que não parecia conseguir corresponder às expectativas de um clube campeão europeu.As divergências entre a direcção e Del Neri acentuaram-se com a lista de dispensas apresentada pelo italiano. O facto de nomes como Pedro Emanuel, McCarthy e Carlos Alberto, elementos influentes na óptima temporada dos "dragões", estarem incluídos no lote de dispensáveis fragilizou a posição de Del Neri. E se oficialmente esses nomes nunca passaram de rumores, o próprio técnico, em Itália, tratou de revelar que Maciel, uma aposta de Mourinho com poucos meses de casa, poderia ser um dos candidatos à saída. A declaração inoportuna foi só mais um grão de areia, como comentou Pôncio Monteiro ao PÚBLICO. "O FC Porto tem um código e comportamento rigorosos e Del Neri não soube enquadrar-se nele", sublinhou, deixando claro que dentro do balneário o italiano "não soube dar o exemplo". "Faltou ele a um treino e amanhã faltavam todos os jogadores... Não é essa a forma de actuar do FC Porto", juntou Pôncio Monteiro. O certo é que também entre os atletas começavam a existir vozes discordantes que deram conta disso mesmo a Pinto da Costa - o presidente, por seu lado, deu o primeiro sinal deste braço-de-ferro com Del Neri ao contratar o "número dez" Diego, precisamente o tipo de jogador que não encaixa no esquema do italiano.Foi com este cenário de desgaste que se chegou a sexta-feira, dia em que era suposto Del Neri, e já agora os adjuntos Alessandro Zampa e Francesco Conti - só o preparador físico Ugo Maranza compareceu no centro de estágio - orientarem o primeiro treino em Gaia. Contudo, Del Neri, que até vinha de dois dias de folga (estranhamente passados em Itália), não chegou a tempo e faltou também à reunião que estava agendada para decidir de vez as dispensas, o que desagradou ao rigoroso Pinto da Costa. Quando o técnico finalmente chegou ao início da madrugada de anteontem ao Porto a decisão estava tomada e o italiano seguiu directamente para a Torre das Antas para uma reunião com o estado-maior da SAD portista, na qual ficou acertada a rescisão.

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