A aventura de ser editor independente em Portugal

"Faça você mesmo" é o equivalente português para a expressão inglesa "Do It Yourself" (DIY). É este o espírito que preside a um novo surto de editoras discográficas independentes, depois dos férteis anos 80. De há quatro anos para cá, parte significativa da produção e alguma da mais criativa e interessante música feita em Portugal é editada sem a chancela de uma multinacional. Para Setembro está agendada a formalização da EI!! - Associação de Editores Independentes. Alexandre Cortez, da editora Transformadores, de Lisboa, integra a comissão instaladora da associação, ao lado de seis outros editores. O objectivo a curto prazo é "criar uma base forte de apoio aos editores: a união tem que fazer a força", diz Cortez ao PÚBLICO. Apesar de boa parte das editoras independentes não se terem associado à ideia, Pedro Leitão acredita que, "quando as primeiras acções forem divulgadas", o número de associados vai aumentar. "O poder de estarmos todos associados poderá resolver problemas transversais a todas as editoras [independentes]", diz Ilídio Nunes da Clean Feed, de Oeiras. Entre esses problemas, Nunes, Pedro Leitão da mono¤cromatica, e Rui Miguel Abreu da Loop Recordings (ambas de Lisboa) apontam a deficiente distribuição dos discos fora dos centros urbanos, a taxa de IVA a 19 por cento dos discos, o pagamento por inteiro dos direitos de autor à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) antes da venda das cópias (as "majors" têm acordos com a SPA para o pagamento "a posteriori") e a falta de representação da música portuguesa em eventos internacionais como o MIDEM. A ideia central da EI!! é que a competição neste pequeno mercado não faz sentido e que o crescimento da "cena" independente beneficiará todas as editoras. Um trabalho de dedicação"Não há uma fórmula. Cada projecto, cada ideia, cada disco é diferente". Numa frase, Rodrigo Cardoso sintetiza o funcionamento da Bor Land, a editora do Porto que dirige com Leonel Sousa. A Bor Land é, pois, uma estrutura informal formada no final de 2000 - tinha Cardoso 19 anos -, "depois de um ano e meio de estudo" do que era a indústria musical.Apesar do reconhecimento mediático que a editora já alcançou, Rodrigo Cardoso depara-se com o reduzido mercado português. "April", de Old Jerusalem, por exemplo, com cerca de 600 cópias vendidas, é o maior sucesso comercial da editora. A Bor Land já criou um público fiel "que compra todas as edições", mas falta ainda atingir um mercado mais vasto. A estratégia da editora passa por uma relação próxima com a imprensa, pela edição de compilações (muitas delas oferecidas), pelos baixos preços dos discos (10 euros é o custo médio de um CD) e pelo envolvimento da editora na organização dos concertos das suas bandas. "Faço isto quase a tempo inteiro. Estudo em 'part-time'. Não dá para ganhar dinheiro", conclui o editor.Com duas edições apenas, mas com outros projectos no prelo, a mono¤cromatica segue a "estética DIY", na expressão de Pedro Leitão. "As editoras grandes vendem música como quem vende iogurtes", afirma. Leitão orgulha-se da posição de independência da sua editora: "O conceito já vem de 2000. Já pensava e sentia que faltava uma cena 'underground', um meio privilegiado para desenvolver novas ideias". O editor não receia o mp3: a "test tube", uma nova "netlabel" subsidiária da mono¤cromatica, disponibiliza obras gratuitas inteiramente pela Internet, sem "espartilhos editoriais". O primeiro lançamento da "test tube" está aí: o EP "Peri Sable" de Phoebus.Um português no jazz internacionalDecididamente virada para o estrangeiro está a Clean Feed. Em menos de três anos, a editora conquistou um lugar de relevo no panorama internacional ao editar nomes "de topo do jazz contemporâneo", diz Ilídio Nunes. O catálogo da editora de Oeiras conta com grandes nomes nacionais do jazz (Mário Delgado, Bernardo Sassetti, Carlos Barreto) e internacionais como Ken Vandermark ou Steve Lehman. Nunes avança com a receita para o sucesso: "Grande proximidade com os músicos", uma "batalha diária de aumentar o número de distribuidores", um pouco de "sorte" e, sobretudo, "falta de vergonha na cara" para abordar grandes músicos do jazz. O editor considera que falta ainda "visibilidade para a diversidade musical" portuguesa: "Parece que Portugal morreu nos Madredeus, Moonspell, Rui Veloso e João Pedro Pais", lamenta.Rui Miguel Abreu é um nome conhecido na indústria editorial portuguesa. Outrora A&R na NorteSul, encabeça hoje, com D-Mars (MC dos Micro), a Loop Recordings, casa-mãe de alguns dos discos com mais aceitação crítica no panorama hip-hop português. "Aprendi muito com o trabalho na NorteSul. A diferença maior é a amplitude financeira. O espírito é o mesmo", reconhece. Que espírito é esse? "Tentamos editar música de que gostamos". "Ainda não se pode falar numa explosão [da música independente]", diz Rui Miguel Abreu, que vê no aparecimento de muitos novos selos editoriais uma "explosão potencial" que pode concretizar-se "daqui a um ou dois anos"."As editoras independentes têm conseguido visibilidade", diz Miguel Carvalhais, da Crónica (Porto). No entanto, dedicando-se esta editora, tal como a mono¤cromatica, à electrónica experimental, "apesar de ter havido um acréscimo de edições", seria impossível sobreviver apenas com o mercado português. A Crónica é mais reconhecida fora de portas, "quer a nível de vendas, quer a nível de críticas". Carvalhais aponta as portuguesas Sirr e a Grain of Sound como editoras cúmplices e próximas da Crónica.

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