Trapattoni, o omnipresente

Giovanni Trapattoni é a demonstração de que a eternidade existe. Trapattoni sempre esteve, está agora, e permanecerá por muito tempo. Da mesma forma que a Lua, o Sol, a água e o mar. É uma espécie de expressão da natureza, não poderá ser varrido por nenhum uruguaio, nem obscurecido por um eclipse. Trapattoni é omnipresente, com a sua expressão simpatiquíssima e com a gramática coxa que tanto faz rir e que tem o sabor das coisas feitas em casa. Jogador do Milão, treinador da Juventus, do Inter de Milão, do Bayern, do Cagliari, da Fiorentina e da selecção nacional italiana, a sua sombra e os seus olhos azuis acompanharam em todos os momentos a nossa vida de apaixonados do futebol. Não existe um segundo, na aventura italiana do pós-guerra, sem que o nome de Trapattoni esteja presente. Ele é o mediano, rude e teimoso, que se compara ao mágico Pelé e que nem sequer toca na bola (pouco importa que o Rei, na verdade, não seja sortudo: o mito alimenta-se de retórica e não de verdade). Ele é o típico que se coloca ao serviço dos campeões; ele é o que leva a bóia a Gianni Riviera no Milão campeão europeu, a 22 de Maio de 1963, em Wembley (precisamente contra o Benfica de Eusébio, e também este deve ser um sinal do destino); este é homem que se não tivesse sido jogador seria hoje um normalíssimo operário de fábrica na periferia de Milão, trabalharia oito horas diárias, suaria, e ao fim do dia regressaria a casa e comeria o jantar junto da mulher e dos filhos. E quando a carreira dentro do campo chegou ao pôr do sol, quando as pernas já não resistem mais à pressão e as energias se esgotam, eis que surge Trapattoni, demonstrando que a eternidade existe, inventando-se treinador. Ninguém acreditava que fosse possível, ninguém apostava uma libra (naquele tempo não existia o euro) nele. Quem o escolhe é Giampero Boniperti, o grande presidente da Juventus, em meados dos anos 70: os "rossoneri" perderam apenas a taça num apaixonante jogo com o Torino, e houve necessidade de mudar de técnico. Boniperti decide mudar e chama aquele homem que, aos 37 anos de idade, não tem qualquer experiência de banco, a não ser um breve período com a equipa juvenil do Milão. Trapattoni altera o cenário à grande: conquista a taça e vence a Taça UEFA, com uma equipa composta, exclusivamente, por jogadores italianos. Ele inicia, e mais tarde prossegue, o seu caminho na eternidade.A lenda conta que o advogado Agnelli, o poprietário da Fiat, o acordava às seis da manhã para perguntar-lhe como estavam os jogadores da Juventus, e ele, Trapattoni, sempre disponível para responder e sempre pronto para ouvir conselhos. Quando o advogado Agnelli o chama à parte para lhe dizer: "Caro Trapattoni, não comprei o Michel Platini para o ver jogar como médio. Coloque Furino a correr e deixe Platini ser criativo". Trapattoni obedece. E vence. Vence ainda como treinador da Juventus, bate o recorde como técnico do Inter, emigra para a Alemanha (e até lá vence), depois opta por regressar a Itália, impõe-se com experiências que se assemelham e aposta em Cagliari e Florença, não o consegue, mas regressa, no entanto, apreciado. Por último, em Julho de 2000, depois das críticas de Silvio Berlusconi a Dino Zoff, eis que Trapattoni é eleito, quase aclamado, como treinador da selecção. Para ele é uma espécie de reconhecimento à carreira. É, no fundo, o símbolo da Itália futebolística, e ninguém mais do que ele pode representar o país. Não importa se as suas ideias tácticas estão ultrapassadas, não importa se o futebol evoluiu, não importa se não existem as marcações homem a homem e o "catenaccio", não importa tudo isto: importa somente que Trapattoni é uma garantia para todos, para os clubes mais poderosos e para aqueles pequenos, é o trajecto perfeito, um mediador infalível, uma espécie de cardeal que sabe mover-se nas salas do Vaticano e não falha uma intervenção.Correu-lhe mal o Mundial de 2002, ganhou críticas, insultaram-no, mas ele não se demitiu. O chefe permaneceu no trono num mês atormentado, depois da aventura rumo ao Oriente. Mas o banco de Itália é agora seu, da sua propriedade, tem a certeza de poder jogar as suas cartas. E prova-o nas qualificações para o Europeu de 2004. No início sofre, arrisca a eliminatória, a raiva culpa-o, mas como é eterno (como se tem dito) não cai. Chega a Portugal, falha tudo (a começar pelas convocações), os jogadores não lhe dão uma mão (também porque muitos não o suportam mais) e regressa a casa no fim da primeira volta. Falência total para um homem que, quando foi eleito, era considerado o melhor dos melhores.Pensava-se que aceitasse uma pensão honesta depois de uma vida de trabalho honrado, pensava-se que não queria mais treinar, pensava-se que talvez se tivesse retirado. E em vez disso, ei-lo aqui, de novo em campo, num clube como o Benfica, que o contrata através do seu amigo Eusébio. Ele, como um rapazinho na primeira aventura, embarca para Lisboa logo ao amanhecer, com uma mala pequena, sem acompanhantes especiais e sem agente, vai almoçar com os dirigentes, fala, discute e parece renascer. Uma espécie de milagre: deve ter bebido o elixir de uma longa vida, Trapattoni. Ele que é devoto à Nossa Senhora, que vai para o banco com um bocado de água santa, que faz o sinal da cruz antes de cada jogo, encontrar-se-á bem a gosto neste País repleto de igrejas e orações. E se conseguir ainda ensinar aos garotos do Benfica o "catenaccio" e a marcação cerrada homem a homem, então será um sucesso. O maior sucesso da sua carreira. Boa sorte Trap. Andrea Schianchi é jornalista de "La Gazzetta dello Sport"

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