Bombardier fecha única fábrica de comboios em Portugal

A canadiana Bombardier, o maior fabricante mundial de comboios, anunciou ontem que vai "cortar" 6.600 postos de trabalho da sua unidade de transportes e encerrar sete fábricas na Europa, entre as quais a fábrica da Amadora. Além da ex-Sorefame, também fecham as portas três fábricas no Reino Unido e outras três na Alemanha, Suíça e Suécia.De acordo com Luís Ramos, responsável pela comunicação da Bombardier no Sul da Europa, esta decisão, no caso português, prende-se com uma total falta de mercado nos próximos três a cinco anos, o que torna as instalações da Amadora economicamente inviáveis. Como tal, a empresa cessa a produção e manterá apenas um centro de competências de sistemas ferroviários a fazer desenvolvimento do produto e acompanhamento dos clientes nacionais. Esse centro assegurará cem postos de trabalho, na sua maioria engenheiros e alguns operários especializados. Luís Ramos diz que os restantes 400 trabalhadores serão alvo de contratos de rescisão "amigáveis" e garante que as indemnizações da Bombardier serão "bem mais generosas do que as que a legislação em vigor obriga".O primeiro "despedido" da Amadora será o próprio administrador-delegado da multinacional, Manuel Norton, que já chegou a acordo com a sede para sair da empresa.Calcula-se em mais 500 a 1000 o número de postos de trabalho em risco, após o fecho da fábrica, sobretudo em empresas fornecedoras de subconjuntos e de serviços aquela unidade industrial. As instalações industriais da Amadora ficarão disponíveis para arrendamento. Um dos principais interessados é a Siemens: José Baptista, director-geral do grupo alemão em Portugal, confirmou ao PÚBLICO que a sua empresa está interessada em comprar as instalações da Bombardier na Amadora, para nelas instalar um centro de competências ferroviárias que incluiria fabrico de material circulante. E garantiu que se a Siemens ganhar o concurso para o Metro do Porto, o veículo será produzido naquele local. Curiosamente, no mesmo concurso para aquele projecto concorre também a Bombardier, que já fez saber que a sua montagem seria feita no Porto, nas oficinas da EMEF, subsidiária da CP para a manutenção.Contudo, Luis Ramos diz que está fora de questão arrendar aquele espaço à Siemens. "Não faz sentido", disse. "Pela mesma razão de que o seu jornal não arrendaria espaço a um jornal concorrente". Uma declaração que contrasta com o contacto inicial da Siemens junto da sede do grupo, no Canadá, que revelou maior abertura para esse negócio. A recusa da Bombardier Portugal é confirmada por uma fonte oficial do Ministério da Economia, segundo a qual o grupo recusou a hipótese de venda das instalações da Amadora a outra empresa concorrente, "sem paragens de laboração".Caso os canadianos mantenham a mesma posição, os responsáveis da Siemens já têm outras alternativas. José Baptista refere a possibilidade de um acordo com a EMEF para partilha de espaços no Entroncamento, no Barreiro ou no Porto. Derradeira hipótese: uma construção de raiz num local ainda a escolher.A fábrica da Amadora era considerada pela Bombardier (e pela Adtranz e ABB, seus anteriores proprietários) como um centro de excelência em aço inox. O seu fecho, juntamente com a fábrica sueca de Kalmar, representa para já o fim desse material no fabrico de comboios e a hegemonia do alumínio na indústria ferroviária. Luís Ramos reconhece que "não há neste momento uma única encomenda em aço inox na Europa". Os representantes dos trabalhadores foram "surpeeendidos" pelo anúncio da multinacional, uma vez que existiam já algumas perspectivas de melhoria da carteira de encomendas. "Esperávamos que houvesse uma reestruturação ou mesmo uma diminuição de trabalhadores, mas não o fecho completo da produção", afirmou ao PÚBLICO um elemento da Comissão de Trabalhadores, Jorge Raimundo."Responsabilizamos o Governo, na pessoa do ministro [das Obras Públicas, Transportes e Habitação], Carmona Rodrigues. Podia ter feito mais, mas fez muito pouco", disse o mesmo responsável que critica o ministro porque "não chegou a falar directamente com a administração da Bombardier". "Tem de haver uma tomada de posição do Governo", concluiu. Esta posição é partilhada por António Tremoço, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos, para quem ainda se está "a tempo" de inverter a situação. Quanto aos trabalhadores, asseguraram os dois representantes, "estão dispostos a tudo fazer, dentro da legalidade, para impedir o encerramento da produção". Num plenário a realizar-se hoje de manhã, os trabalhadores da fábrica da Amadora irão votar uma moção e debater as formas de luta a adoptar, entre as quais uma greve de duração ilimitada e a eventual ocupação das instalações da empresa."O Governo não pode ser responsabilizado porque trata-se de uma empresa privada e há regras de mercado a respeitar", disse Carmona Rodrigues, à margem do 5º Congresso Nacional da Associação Portuguesa Para o Desenvolvimento do Transporte Ferroviário, que decorreu em Lisboa. O ministro das Obras Públicas disse que esta era uma notícia "triste", mas que o Governo, e em particular alguns dos seus colegas estavam a acompanhar a situação.Carmona Rodrigues disse que depois de ter recebido representantes dos trabalhadores da antiga Sorefame, contactou as empresas de transportes por si tuteladas para saber das suas necessidades de material circulante tendo-lhes comunicado esse resultados. E referiu o Metro do Porto, o arranque para breve do Metro Mondego, um concurso de locomotivas da CP e o projecto da alta velocidade como exemplos de "um processo de afirmação neste sector".Da parte do Ministério da Economia, a mesma fonte oficial afirmou que o Governo "não pode alterar planos de investimento ligados a concursos públicos para atender aos interesses de uma empresa privada".

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