"Se não falamos com o Rossio, não conseguimos falar com Trás-os-Montes"

Devolver o Teatro Nacional D. Maria II a Lisboa, implementá-lo na paisagem cultural portuguesa, fazer da sua programação uma referência e cooperar com as estruturas lisboetas são objectivos do novo director artístico, António Lagarto, que faz parte ainda do conselho de administração. Convidado há oito meses para o cargo, Lagarto está em funções há três, pretexto para uma conversa sobre o futuro de um teatro nacional que tem estado apagado.Diz que três anos é o tempo mínimo para pôr em marcha uma reestruturação de que se fala há mais de uma década, muito antes de ser pensada a nova lei orgânica. Uma legislação que, quando finalmente for publicada em Diário da República e entrar em vigor - o último passo, depois do Presidente da República a promulgar - culmina um processo de quatro anos (ver texto ao lado). Entre 2000, quando Carlos Avilez saiu, e 2004 o D. Maria esteve sem director artístico e a ser dirigido por uma comissão de gestão (o actual secretário de Estado José Amaral Lopes foi, aliás, o presidente dessa comissão durante o Governo PS) - João Grosso abandonou o nacional em Julho depois de quase dois anos à espera de passar de vogal com o pelouro artístico a director.Uma máquina demasiado burocrática, problemas com a companhia residente, ausência de condições políticas e financeiras ou de uma direcção forte provocaram a ruptura entre o público e o teatro, cada vez mais afastado da cidade. Lagarto não atribui a responsabilidade do "impasse" a nenhum dos governos, diz que se trata de uma "responsabilidade cultural". "Olhou-se pouco para os objectivos."Interacção com as estruturas de LisboaPor agora, diz que está a "tapar um buraco". Mas prefere "manter a casa a funcionar" porque "fazer reestruturações com a porta fechada é uma utopia." Esta foi, aliás, uma das lições que o cenógrafo, figurinista e artista plástico retirou da passagem pelo D. Maria como subdirector, entre 1989 e 1993, ao lado do actual director do Teatro Nacional São João, Ricardo Pais, e de Agustina Bessa-Luís.Espera seduzir "todo o tipo de públicos", quer ver aquela casa cheia com o habitual público de teatro, público mais jovem, público que nunca lá entrou. O seu projecto passa também pelo cruzamento das várias linguagens artísticas, quer fazendo produções próprias, quer co-produções, apostando na interacção com as estruturas de Lisboa. "Temos que dignificar e dar a possibilidade aos jovens de disponibilizarem os meios que o teatro tem. Temos que abrir diálogos noutras frentes, com outros criadores, desafiá-los a criar." Mas porquê Lisboa e não o resto do país? "Estou em Lisboa tenho que falar com quem cá está. Se não falamos com o Rossio, não conseguimos falar com Trás-os-Montes. Com o dinheiro que temos [4, 7 milhões de euros, dos quais 319 mil cativos], ao fim de cinco anos terei falado com metade das companhias de Lisboa." O director quer estabelecer um diálogo com o São João mas diz que o D. Maria vai desenvolver um projecto distinto: Porto e Lisboa tem identidades culturais diferentes que passam pelo número de equipamentos de cada cidade, com programações já implementadas (no Porto, Lagarto destaca o São João e TeCa, Teatro do Campo Alegre; em Lisboa refere a Fundação Calouste Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém, o Teatro Nacional de São Carlos ou o Teatro Municipal de São Luiz). O nacional no Porto tem, por isso, um peso muito maior na programação cultural da cidade e Lagarto quer que o D. Maria se implante de forma a não se aparecer com nenhuma das estruturas existentes. Para já, ainda é cedo para se perceber que D. Maria será o de António Lagarto, que está a desenhar um programa mas prefere não falar sobre o que ainda não está definido: daqui a três meses espera apresentar a programação de 2004/2005. Considera que as duas salas são insuficientes já que o estúdio tem apenas 50 lugares e gostaria de encontrar um espaço fora do edifício para apresentar espectáculos experimentais. Recusa a divisão sala Garrett para os clássicos, sala estúdio para os contemporâneos, até porque defende que é dever de um teatro nacional apresentar os clássicos mas pode e deve fazê-lo "através dos olhos de hoje". Para António Lagarto são referências o Théâtre National de la Colline, virado para as novas dramaturgias, que o director Jorge Lavelli conseguiu implementar num lugar "onde não existia nada", a Comédie Française, "mais convencional" mas que nunca teve a sua actividade interrompida, ou o Royal National Theater de Londres com três salas onde "coexistem" várias programações (os clássicos, contemporâneos e teatro musical).Organizar um programa anual de espectáculos internacionais, convidar encenadores estrangeiros para fazer cursos, convidar profissionais de voz e movimento para acompanharem os actores nos espectáculos, ocupar o salão nobre com debates ou palestras a propósito de espectáculos que estejam em cena, dinamizar a livraria e desenvolver acções de formação, são projectos que tem em cima da mesa. António Lagarto convidou a Experimenta Design a conceber uma "fachada" para o edifício do século XIX que se abra ao Rossio e onde passe informação. "Temos que falar para o exterior de outro modo."

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