Jóias raras na Gulbenkian

A exposição "Ponto de encontro - meeting point(s)", que está no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian até 30 de Maio, reúne, pela primeira vez em Portugal, um assinalável conjunto de jóias produzidas por representantes da actual joalharia de autor. Todos eles passaram pelo Departamento de Joalharia do Ar.Co, que, com esta iniciativa, comemora os 25 anos. Na sala de entrada e na totalidade do piso superior do CAM, estão expostas obras de 66 artistas, concebidas por autores, portugueses e estrangeiros, que intervieram nas actividades pedagógicas do departamento ou por ele foram formados. Ao percorrer a exposição, temos acesso àquilo que foi, nas últimas décadas em Portugal, a proposta mais interessante de formação em joalharia, e percebemos que ela só foi possível porque Tereza Seabra manteve o departamento, do qual é responsável, em relação constante com os principais protagonistas daquilo a que hoje podemos chamar o campo da joalharia de autor.Desde o fim dos anos 60 que a joalharia de autor foi dando forma a um novo campo de produção artística. Com origem em lugares tão diversos como foram a solidez oficinal dos artesãos da Alemanha do pós-guerra e as pesquisas pessoais de artistas plásticos como Calder ou Picasso, a joalharia de autor acabará por se desenhar, sobretudo a partir dos anos 1980, no interior de uma rede de relações que envolve autores, escolas, galeristas, críticos, coleccionadores e, não menos importante, afectos. Centrada nalguns países pioneiros - Alemanha, Holanda, Inglaterra e Suíça - e em Nova Iorque, essa rede alargou-se a outros núcleos de produção, situados na Itália, Espanha e Portugal. Hoje, vive da circulação internacional dos seus protagonistas, que ensinam, expõem e vendem no interior de circuitos por eles dinamizados. Esta exposição é uma ocasião única de, em Portugal, tomar contacto com uma realidade da produção artística contemporânea já perfeitamente solidificada nos países mais centrais. As jóias mostradas tornam-se assim objectos duplamente raros. Dada a sua diversidade formal, os objectos que resultam dessa dinâmica produtiva obrigam à construção de estratégias expositivas que respondam, de forma individualizada, às suas características. Neste caso, o percurso do visitante faz-se através de espaços que vão sendo organizados por dispositivos diferentes: vitrinas rasgadas nas paredes, vitrinas de chão, mudanças de cores das paredes e construção de núcleos isolados, que, por vezes, respondem a lógicas de instalação.Casca de ovo, tripa de porco...Comecemos então pelos afectos: na sala de entrada do museu, dentro de uma enorme caixa quadrada, surge, composto por objectos heteróclitos colocados sobre uma linha desenhada a lápis, um enorme elo. Trata-se de uma peça feita para Tereza Seabra e construída com objectos oferecidos por pessoas ligadas ao departamento de joalharia do Ar.Co. A diversidade dos mesmos anuncia o contexto de problematização em que as jóias expostas se podem inserir. Já no primeiro piso, podemos, para ser sistemáticos, começar por nos confrontar com a diversidade de técnicas e de materiais utilizados na construção dos objectos expostos. Logo ao cimo das escadas, numa vitrina de parede, Thomas Gentille expõe uma série de alfinetes que resultam de uma pesquisa sobre a conjugação de materiais como sejam a casca de ovo, a madeira, a pedra-pomes e pigmentos. Num enorme cubo transparente, Ted Noten expõe um conjunto de peças, entre as quais três alfinetes que fazem parte de uma colecção de formas geradas por computador a partir de um Mercedes-Benz, um anel em que a pedra lapidada se encontra coberta por um látex, e uma pequena mala de senhora, realizada em acrílico transparente e que contém um bife no seu interior. Mais adiante, na instalação de Ruudt Peters, estão pregados numa série de almofadas brancas objectos translúcidos que resultam da conjugação de poliéster com prata e ouro. Ainda os colares de Pedro Cruz, que conjugam prata, PVC, silicone e cabedal e as pulseiras de Katharina Menziger - chumbo, feltro, ardósia, tripa de porco e fio de ferro.Quanto à perícia artesanal, pensada no seu sentido mais clássico, podemos encontrá-la tanto nas peças de Fausto Maria Franchi, um mestre que expõe desde os anos 1960, como em peças de autores portugueses mais jovens. Por exemplo, nas caixas baptismais de Luís Moreira e nos Strass de André Sá Pessoa.Noutros trabalhos, afirmam-se de forma mais explícita as temáticas conceptuais e emotivas em que se centram os seus autores. Cristina Filipe apresenta uma instalação que partiu da figura de Joana d'Arc e do seu único luxo: os anéis. Charlotte Gorse apresenta, dentro de embalagens de plástico, "kits" compostos por roupa e por peças de prata a aplicar no corpo, respectivamente, tangas e escudos para as nádegas. Christoph Zellweger trabalha a partir das formas de ossos descarnados e Diana Silva do coração e sistema circulatório. Tereza Seabra, e para voltarmos aos afectos, apresenta dois colares em ouro e coral e uma pequena caixa em ouro cheia de formas que são evocações de universos de protecção e de prazer.

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