"Todas as religiões têm um sentido positivo no plano de Deus"

Padre jesuíta belga, Jacques Dupuis, 80 anos completados em Dezembro, ensinou na Índia entre 1948 e 1984, o que lhe permitiu trabalhar o tema do pluralismo e do diálogo inter-religioso. Uma das suas obras mais importantes é "Para Uma Teologia Cristã do Pluralismo Religioso", que lhe mereceu uma advertência da Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo cardeal Ratzinger. Jacques Dupuis esteve recentemente em Fátima e falou ao PÚBLICO sobre o tema e o seu processo pessoal. JACQUES DUPUIS - O pluralismo religioso de que falo coloca Jesus Cristo no centro da fé cristã. Se negamos isso, já não somos cristãos. Mas podemos acreditar em Jesus Cristo como salvador universal e, ao mesmo tempo, dizer que as tradições religiosas têm um sentido positivo no plano divino para a humanidade.Há uma corrente de teologia depois do [Concílio] Vaticano II que afirma que as tradições religiosas fazem parte do plano de Deus. É preciso distinguir entre a teologia que faço, a par de outros, e a de teólogos que se chamam pluralistas. A declaração "Dominus Jesus", do cardeal [Joseph] Ratzinger e da sua Congregação [para a Doutrina da Fé], diz, na introdução, que falar de pluralismo religioso leva a um relativismo doutrinal. O que lá é dito - que o pluralismo religioso conduz a um relativismo doutrinal - é com certeza muito verdadeiro, pensando nos teólogos que se dizem pluralistas mas, infelizmente, a declaração não faz qualquer distinção.Isso leva justamente a um relativismo doutrinal porque essas pessoas deixam de acreditar em Jesus Cristo como salvador universal. [Para eles], Jesus é uma manifestação de Deus na história, entre outras, e todas têm o mesmo valor. Santo Irineu [bispo e teólogo do século II] também falava das outras religiões como sementes do Verbo...Admiro muito Santo Irineu e o que ele dizia era muito importante. A teologia do "logos", do Verbo, a partir do prólogo [do Evangelho] de São João, diz que [Deus] está presente e operativo através de toda a história da humanidade. E o que fez ele? Plantou essas sementes. As tradições religiosas contêm, ainda hoje, essas sementes plantadas pelo Verbo de Deus. O Vaticano II fala de elementos de verdade e de graça, contidos nessas tradições religiosas - é o que dizia já Santo Irineu. Não podemos dizer que elas vêm do demónio, não podemos dizer que têm valores humanos mas não levam à salvação. É preciso dizer, como [o teólogo] Karl Rhaner, que há, nessas tradições, elementos de verdade divina e de graça. No seu livro "Para Uma Teologia Cristã do Pluralismo Religioso", escreve que "a plenitude do Reino de Deus é a realização final comum do cristianismo e das outras religiões". As outras religiões são tão verdadeiras quanto o cristianismo?Tão verdadeiras, não. É preciso dizer que Jesus Cristo é a plenitude da revelação divina. Isso significa que depois de Jesus Cristo não temos nada a aprender? Não: a revelação de Deus não estará terminada senão no outro mundo, no "escathon", como dizem os teólogos. O que digo, como cristão, é que a revelação de Deus, por Jesus Cristo, é qualquer coisa de único. Jesus, enquanto filho de Deus feito homem, podia falar de Deus, do mistério de Deus, de um modo que nenhum profeta - do Antigo Testamento, por exemplo - poderia alguma vez falar. Essa revelação é inultrapassável, mas na história. Isso não quer dizer que a revelação de Deus esteja terminada com Jesus Cristo. Deus tem ainda muito para nos dizer e a revelação não estará completa e definitiva senão para lá desta vida. Mas, na história, a revelação de Jesus Cristo é única. Mas a Igreja Católica diz que a sua verdade é a mais completa...É a mais completa na história. Não quer dizer que a revelação de Deus esteja acabada. A Carta de São Pedro [no Novo Testamento] fala de revelação com relação ao outro mundo: Deus não será revelado ao homem. E Jesus Cristo: estará ele plenamente revelado?Ao mesmo tempo, a Igreja Católica dialoga com outras religiões. Isso não é uma contradição?Não há contradição. É preciso ter uma retrospectiva do passado: fomos tão negativos em relação às outras religiões, não reconhecíamos nenhuma verdade, quanto mais a verdade divina. Com a nova teologia, reconhecemos as sementes do Verbo presentes nessas tradições religiosas. Ao mesmo tempo, é preciso afirmar que Jesus Cristo, enquanto filho de Deus, revela o mistério de Deus de uma maneira única.Entre o sincretismo e a afirmação absoluta da verdade de cada religião, qual é o caminho mais correcto? O diálogo inter-religioso é importante?Sem dúvida. Hoje, é considerado pela Igreja um elemento constitutivo da missão. E isso é um desenvolvimento pós-conciliar, depois do Vaticano II. Antes, a evangelização [destinava-se] a converter os outros ao cristianismo, através do baptismo. O diálogo inter-religioso, mesmo se era recomendado, não [fazia parte] da missão. Hoje, o diálogo inter-religioso, através do qual o cristão e os outros, em conjunto, caminham em direcção à verdade, é considerado como parte integral da missão da Igreja. O que faz muita diferença!Pode dizer-se que a declaração "Dominus Jesus", ao defender a verdade da Igreja Católica, vai num sentido contrário aos encontros de Assis, propostos pelo Papa?Sim, de certo modo, pode dizer-se isso. Há alguns teólogos que sugerem que o que faço nos meus livros não é senão tirar conclusões de palavras mais abertas pronunciadas pelo Papa sobre este tema.

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