O adeus de Pujol e o fim do pujolismo

Quando um dirigente político suscita uma corrente cuja designação deriva do seu nome tal não marca apenas a consagração de um estilo ou a vitória de ideias. Homem e acção confundem-se. E, quando tal mistura vigorou durante mais de três décadas, com 23 anos no poder, o abandono do homem é o fim traumático da corrente. O adeus de Jordi Pujol é o fim, com problemas, do pujolismo, do nacionalismo catalão moderado e contraditório, mas sempre pragmático, desenhado à imagem e impulsos do líder.Primavera de 1996: o Partido Popular (PP) de José Maria Aznar acaba de ganhar as eleições gerais sem maioria absoluta. Em finais de Maio, escassas semanas após as eleições, Pujol convida, em cima da hora, um grupo de correspondentes estrangeiros para um almoço no Palau de La Generalitat, a sede do Governo catalão. O "president" não comparece ao repasto e é substituido pelo "conseller en cap", o "número dois", Xavier Trias. No almoço o tema é o futuro da governabilidade de Espanha, mas Trias é cauto em afirmações. Há um compasso de espera, durante o qual, à falta de melhor tema, se fala da saída de Johan Cruyft de treinador do Barcelona. De repente, à porta de madeira de uma das salas do Palau de La Generalitat, que confina com o páteo dos Laranjos, aparece um Pujol sorridente. Atrás vem Rodrigo Rato, ministro da Economia de Espanha recém-empossado. "Como estavam aqui, disse a Rato que deveríamos falar com vocês", justificou o "president". O ministro de Madrid vinha sem vontade. Depois de perguntas e respostas todos concluímos que o PP e os nacionalistas da CiU tinham chegado a um acordo político: como dias depois ficou demonstrado. E todos os correspondentes anotaram o gesto de Jordi Pujol, em indiciar em público o resultado de um almoço privado com Rodrigo Rato. Os nacionalistas catalães, que na transição democrática tinham apoiado a UCD de Adolfo Suárez e os socialistas de Felipe González nos anos 80 e princípios dos 90, continuavam no mesmo caminho: que um Governo, mesmo conservador, tomasse posse em Madrid. Em nome do pragmatismo."Pujol sempre colaborou na governabilidade de Espanha", anota, ao PÚBLICO, como dado positivo, Joan Rossel, presidente de Foment del Trabajo Nacional, a grande patronal catalã. "Se Pujol se tivesse ido embora há oito anos ficava para a história como um bom presidente da Generalitat", considera a escritora Rosa Regás. "Pujol acabou como refém do seu próprio poder, pensou que era imprescindível como se depois dele fosse o deserto, é por isso que sou adepto da limitação dos mandatos a oito anos, ao estilo norte-americano", refere o arquitecto Jordi Álvarez. "Após 23 anos no poder, o 'pujolismo' criou uma rede de clientela, esgotou-se, ficou sem ideias", constata o jornalista Xavier Vidal Folch. É o "branco e negro" de uma gestão que tornou Pujol, com o seu consulado de seis legislaturas e mais de duas décadas, no político de maior longevidade da Espanha democrática.Na Catalunha, os críticos desta omnipresença brincam com a formação do "president" - médico pediatra, profissão que nunca exerceu - com a sua condição de homem de 74 anos. "Passámos da pediatria, sem prática, à geriatria em exercício", comentam. O trocadilho, como todas as sínteses, é redutor de um percurso rico. De militante da Acção Católica, com trabalho político-social nos bairros pobres de Barcelona, Jordi Pujol passou a líder nacionalista, quando, em Espanha, o único nacionalismo admitido era o espanhol. A redacção de panfletos contra Francisco Franco, lançados durante um espectáculo musical em Barcelona, levou-o à prisão: condenado a sete anos, cumpriu dois. Mas, então, já nascera para a política.Ganhou seis eleições, quando na primeira, em 20 de Março de 1980, todas as sondagens e os politólogos colocavam o socialista Joan Reventós à frente da Generalitat. Depois, de mandato em mandato, de eleição em eleição, Pujol passou a ser quase um ícone da Catalunha: um símbolo de bom senso na moderação catalã durante a transição e, depois, um parceiro dos socialistas numa Espanha embriagada pelo "cambio" anunciado por Felipe González, quando a utopia parecia estar ao alcance da mão menos ousada. De pequena estatura, galã com as mulheres, Pujol é uma figura timída que não resiste a "dar a cara". Em 1988, o seu carro oficial foi apedrejado em Santa Coloma de Gramenet, no "cinturão vermelho" de Barcelona. Pujol não pediu mais velocidade, mas com o seu gesto peculiar e desajeitado ordenou ao motorista que parasse o veículo. Para horror dos guarda-costas, abandonou a blindagem do carro e foi discutir, cara a cara, com o agressor. Não foi um momento a quente, mas um gesto pensado de um político que sempre meditou os seus actos. É frio e calculista. Nos anos 80, aos brindes de um jantar com o então Presidente português Mário Soares, que fez escala em Barcelona durante uma visita oficial a Espanha, Pujol quis deliberadamente marcar distâncias. Recordou a Hstória de Portugal e da Catalunha com um claro subentendido "toque" a "Castela". Soares respondeu, elevando a taça de "cava" num brinde aos Reis de Espanha. Um momento que observadores descrevem como delicioso.Em 23 anos de poder, Pujol fez mais de 250 viagens ao estrangeiro, equivalentes a 45 voltas ao mundo, numa permanente afirmação da Catalunha. Nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, a propaganda nacionalista subiu a fasquia: a insersão de um anúncio no qual se dizia que Barcelona estava na Catalunha. Mas, foi também numa dessas digressões ao estrangeiro, que Pujol mostrou uma ironia surpreendente. Aos jornalistas revelou que quando dizia ser presidente do governo catalão, alguns interlocutores estrangeiros pensavam que a Generalitat da Catalunha era uma companhia de seguros.

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