Os tabus foram caindo desde Wallis Simpson

Em Janeiro de 1936, Eduardo, Príncipe de Gales, tornou-se rei de Inglaterra. Era um pretendido solteirão com diversas amantes, conhecidas de todos, mas desde 1934 que estava obcecado por uma Bessie Wallis Warfield, Simpson por casamento. Nesse ano ela pediu o divórcio, que para ela era o segundo. Terá considerado impraticável a trabalhosa tarefa de "manter os dois homens", o marido e Eduardo, como confidenciou a uma tia. Mas a obsessão do rei era tão profunda que em 3 de Dezembro ele comunicou aos seus súbditos a relação com Wallis. O clamor de reprovação foi de tal ordem que oito dias depois, a 11, ele abdicou.O Império Britânico não estava preparado para ver o seu rei casar com uma norte-americana, duas vezes divorciada, e com um estilo de vida sem muitos tabus. Eduardo e Wallis Simpson acabaram por casar, fazendo vida a atravessar as festas europeias de alta sociedade e deixando à passagem um perfume de escândalo e controvérsia. Foram convidados da estância de férias de Hitler e alguns biógrafos apontam à duquesa simpatias pelo ditador nazi; também apontam a Eduardo um traço masoquista que o levou por exemplo a acompanhar a mulher como se nada se passasse, durante quatro anos, enquanto ela mantinha um caso tórrido com o "playboy" Jimmy Donahue. Por essa altura ela tinha 54 anos e Donahue 34.Mas, rezam as biografias, esses anos de euforia antes e depois da II Guerra Mundial estiveram sempre marcados pelo travo azedo de uma abdicação que, então, foi julgada pela generalidade dos comentadores como "a coisa certa a fazer".Só que o passar dos anos e a mudança de costumes tornaram inevitável que um rei ou um herdeiro pudessem escolher casar com uma "plebeia", e até com uma plebeia divorciada, como sucederá em Espanha.Um notório sinal de mudança aconteceu em 19 de Abril de 1956, com o casamento entre Rainier do Mónaco e a actriz de cinema norte-americana Grace Kelly. Ele tinha 33 anos e ela, aos 26, ganhara uma aura de estrela com uma rapidez fulgurante, em meia dúzia de filmes feitos em cinco anos.Rainier III ainda governa o Mónaco; a princesa Grace, Sua Alteza Sereníssima, morreu num desastre de automóvel em 14 de Setembro de 1982. Os seus filhos têm sido desde então dos principais abastecedores da imprensa cor-de-rosa. Grace Kelly, sem ter "sangue azul", contribuiu como ninguém para emprestar ao Mónaco o "glamour" e a classe que cultivava como imagem.Claro que para os "fundamentalistas monárquicos" a escolha de Rainier foi imprópria, mas também tinha pouca importância pelo facto de essa anormalidade se passar num muito pequeno principado do Sul da Europa.Mas já não puderam encolher os ombros quando, em 19 de Junho de 1976, Silvia Sommerlath casou com o rei Carlos Gustavo da Suécia. Sílvia nasceu em Dezembro de 1943 na cidade alemã de Heidelberg, filha de um alemão e de uma brasileira, sendo educada em São Paulo durante dez anos, até 1957, quando os pais regressaram à Alemanha.Carlos Gustavo foi coroado em 1973 e conhecia Sílvia desde o ano anterior, quando ela trabalhava como intérprete e hospedeira nos Jogos Olímpicos de Munique. O pequeno "frisson" de descontentamento que o noivado e o casamento provocaram entre os mais conservadores não teve que ver com ela ser três anos mais velha do que ele mas sim com o facto de não pertencer a qualquer casa real. Mas os suecos não tiveram qualquer dúvida em adoptá-la como sua rainha e muitos viram até no casamento o cumprimento da promessa do rei de exercer um poder monárquico moderno. No Norte da Europa, um novo tabu foi quebrado em 2001 quando Mette-Marit Tiessem Høiby casou com o príncipe herdeiro da Noruega, Haakon. Mette-Marit nasceu em Agosto de 1973 e nos agitados anos de uma vida universitária desleixada era conhecida na noite de Oslo, em festas associadas a excessos de álcool e drogas. Em Janeiro de 1997, fruto de uma ligação com Morton Borg, foi mãe de um rapaz e mudou de vida: não só se empregou e voltou a estudar como decidiu terminar a ligação com o pai do filho, um homem com cadastro por agressão e tráfico de droga.Conheceu Haakon em 1999, menos de um ano depois estavam a viver juntos e casaram em 25 de Agosto de 2001. Ela, plebeia, mãe solteira, entrou para uma das mais antigas famílias reais europeias, naquele que é ainda hoje o mais surpreendente dos casamentos reais na Europa.Uma razoável controvérsia envolveu também o casamento de do príncipe herdeiro Guilherme Alexandre da Holanda com a argentina Maxima Zorreguieta. Nada de especial na maneira como se conheceram (numa festa em Sevilha) ou como namoraram, antes nos antecedentes familiares dela. Maxima nasceu em 1971 em Buenos Aires, numa família de posses que lhe deu estudos numa escola inglesa, uma educação que lhe permitiu seguir uma bem sucedida carreira: quando o príncipe a conheceu ela trabalhava no Deutsche Bank em Nova Iorque.O problema, para a liberal Holanda, aconteceu quando se soube que o pai da noiva do príncipe fora ministro na Argentina durante o sangrento consulado dos militares nos anos 70. A controvérsia obrigou a rainha Beatriz a uma declaração pública de apoio ao filho e de elogio à futura nora. O pai da futura rainha, contudo, esteve ausente do casamento.A próxima plebeia a entrar para uma família real europeia será, antes mesmo de Letizia Ortiz, Mary Donaldson, uma australiana de 31 anos que vai casar com o príncipe herdeiro da Dinamarca, Frederico.Conheceram-se durante os Jogos Olímpicos de 2000, num bar de Sydney (foram apresentados por Felipe de Espanha) e o romance, tal como o contou a imprensa da Dinamarca, exerceu uma profunda mudança em Frederico, levando-o a abdicar daqueles que eram aparentemente os seus dois passatempos favoritos: desportos radicais e mulheres, não necessariamente por esta ordem.Mary Donaldson é uma advogada australiana de vida normalíssima em cujo "armário" a imprensa de mexericos não conseguiu desencantar qualquer esqueleto. No dia 14 de Maio, em Copenhaga, vai tornar-se a futura rainha da Dinamarca. O irmão mais novo de Frederico, Joaquim, também tinha feito uma escolha pouco ortodoxa, ao casar em 1995 com Alexandra Christina Manley, natural de Hong Kong, de ascendência britânica, austríaca e chinesa e com traços orientais. Divorciadas, mães solteiras, filhas de ditadores, até dos antípodas. As monarquias europeias vão passando barreiras julgadas intransponíveis e, a crer nas sondagens, isso não lhes diminui em nada o respeito ou a popularidade. A excepção, afinal, acaba por vir da pátria de Eduardo VII. A união de Carlos com Diana Spencer foi o "casamento do século" e era, no papel, perfeito. A prática acabou por demonstrar que teve efeitos devastadores para a monarquia inglesa, talvez hoje a menos amada e mais contestada de todas as da Europa. E, na prática, Carlos, o herdeiro que talvez nunca venha a ser rei, já vive com Camilla Parker-Bowles, divorciada e com filhos.

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