Um dia na praia de São Martinho do Porto

João António vem de Poiares todos os anos para São Martinho do Porto, onde até já comprou um pequeno apartamento. Fê-lo por sugestão de um cunhado, que frequenta esta praia desde os sete anos. "Desde a primeira vez que vim cá que fiquei com este sítio na cabeça. Até parece tirado de uma revista", diz. "Se pudesse ficava o ano inteiro aqui, mas não aguento com saudades dos meus filhos", acrescenta o bancário aposentado de 69 anos, enquanto contempla a baía. Chama-lhe, como se tratasse de algo seu, "uma pérola da natureza". Mas o paraíso tem também alguns espinhos: "Todos os anos vemos prédios e torres novas. Agora até na encosta estão a construir", aponta. O que mais o indigna é a falta de enquadramento dos imóveis na paisagem. "Vemos algumas coisas iguais, mas de resto tudo é diferente. Não se nota a preocupação de conciliar o betão na natureza". João António confessa que "o coração dói" quando pensa que São Martinho se pode transformar num "Algarve do Oeste", caso o poder sucumba à pressão urbanística. Di-lo com uma tristeza profunda, até porque guarda daqui muitas e boas recordações. Foi aqui que o seu filho mais novo, hoje com 19 anos, começou a andar. "E foi aqui que largou a fralda", lembra a mulher, Isaura. "Hoje fica cá connosco mas é para ir aí às discotecas, com os amigos que entretanto arranjou", conta a mãe do jovem, com ar nostálgico. O casal diz que já esteve mais descansado em relação à poluição. "Mas hoje em dia, o que é que pode dizer que é cem por cento seguro?", pergunta João António. "Pelo menos nunca vi nada nos jornais sobre isso nesta praia". Mas "como o progresso tem um preço, o balanço ainda é positivo", resume. "Estamos em São Martinho, estamos descansados", afirma Paulo Sé, de Colares, enquanto o seu filho Diogo, uns metros abaixo, à beira-mar, se esforça por mostrar ao seu pequeno irmão João Maria, de quatro anos, que a água "está boa" e que os seus receios não têm razão de ser. O pai olha-os com ternura, enquanto vira a página do jornal. Esta família escolhe este destino para as suas férias, explica o engenheiro, por ser um local calmo e onde as pessoas se sentem relaxar. "Há três anos fomos para a lagoa de Albufeira, para variar, mas nada se compara a isto", refere. Desde então optaram por arrendar uma casa por uma quinzena, apesar de só ficaram dez dias. "Cedemos os outros dias a um casal amigo, porque estiveram cá um fim-de-semana e ficaram doidos com isto", conta a sua mulher, Maria Isabel. Quando o sol escalda, como aconteceu este ano, a família opta por ficar nas esplanadas ou por fazer um piquenique nas proximidades. "Acho que deviam ter mais opções para as crianças e não resumir-se a parques infantis", diz Maria Isabel sobre a localidade. A decoradora defende que São Martinho se "especialize" como um destino para as crianças, investindo em serviços e equipamentos para os mais novos. O casal aplaude a preocupação em manter as ruas da vila limpas, mas mostra-se desagradado com o excesso de volume de tráfego. "Como todos sabemos que esta é uma praia que tem muitas crianças, a preocupação em limitar o trânsito devia ser maior", refere a mãe dos pequenos, que conta que já se assustou algumas vezes quando atravessava a marginal. "E estávamos numa passadeira". Não é a única a pensar assim. O presidente do Clube Náutico de São Martinho do Porto, Luís Bairrão, defende a restrição ao trânsito local e lembra que há um projecto de reordenamento para São Martinho: "Penso que, se se retirar os carros da marginal e do cais, criando-se parques periféricos, a vila só tem a ganhar. São Martinho foi, é e sempre será uma praia para crianças e famílias. Por isso tem que ser pacata e segura". Mariana Belo, a irmã e uma amiga brincam com seis crianças na areia junto à água. "São todos irmãos e sobrinhos", explica a primeira. Gerente de uma boutique em Lisboa, como se apresenta, conta que prefere esta praia porque se pode sempre tomar banho. "Nós ficamos aqui e os homens vão para a praia do Salgado", explica, referindo-se ao seu marido, ao da irmã e ao namorado da amiga. Tem sido assim nos últimos anos, desde que decidiram comprar um apartamento em São Martinho. "É perto de casa, o que é bom no caso de surgir algum imprevisto, o que já tem acontecido", revela.No decorrer da conversa, é inevitável a comparação ao Algarve: "Lá ninguém se entende e as coisas custam o dobro. Aqui temos tudo o que precisamos, que é acima de tudo calma", refere Mariana Belo. O único senão desta praia são as dúvidas sobre a qualidade da água. "Tenho pessoas conhecidas ligadas ao Ambiente e sei que na lagoa de Óbidos e em São Martinho do Porto as coisas não estão muito bem. Mas tenho esperanças que isto melhore, porque já foi criada uma empresa para despoluir esta zona toda". Marco e Diogo acabaram de fazer um jogo de futebol no areal. Estão cansados e suados e preparam-se para dar um mergulho. Os jovens de Lisboa vêm para São Martinho com a família, que já há vários anos fica na mesma casa particular. "Sentimos um bocado de saudades dos nossos amigos, mas conhece-se sempre gente aqui", diz Diogo Santos, que quer estudar e ser médico, como o seu pai. Gosta da praia, embora se canse um pouco da sua monotonia. "Mas podemos trazer a moto de água e passar uns bons dias aqui". Depois, há sempre a noite: "Lá em Lisboa não posso sair à noite, mas aqui até já saí sozinho", conta o jovem de 14 anos. A ida a uma discoteca e a um bar nas Caldas foi motivo de conversa durante vários dias com os pais, que já acederam a dar uma nova oportunidade ao rapaz. Sobre a zona, os rapazes dizem que tem tudo o que se pode querer nas férias: apanhar sol na praia, beber uma cola numa esplanada ou comer um hamburguer ou um cachorro. Aproveitam ainda para ir ao cinema às Caldas ou comprar alguma roupa. "Aqui há de tudo e as coisas são mais baratas", diz Marco.Chama-se Luís Chicharro Robalo e orgulha-se de ter nome de peixes. É ele que faz o transporte do cais de São Martinho do Porto para as embarcações estacionadas na baía."Chicharro é do pai da minha mãe e Robalo é do pai do meu pai", explica, contando que é filho de pescadores da Nazaré. "Viemos parar aqui para o meu pai pescar lagosta, porque lá tinha pouco trabalho no Verão como mestre de armações". Nesses tempos, recorda, a sua mãe fazia 13 quilómetros a pé, de São Martinho à Nazaré, para comprar isco. Demorava três a quatro horas, mas era preciso, para o pai e os seus irmãos irem para o mar. "Vim para São Martinho ainda era uma criança e comecei a ir para o mar com oito anos", lembra Ti Luís, como é carinhosamente chamado em São Martinho. Em 7 de Dezembro 1944, porém, houve algo que o marcou para sempre: um dos seus irmãos morreu no mar, num naufrágio do lado de fora da barra de São Martinho. Luís Chicharro Robalo, hoje com 67 anos, dedicou-se à pesca e andou por vários lugares, mas fixou-se na África do Sul por dois anos. Mas acabou por voltar a São Martinho depois do 25 de Abril de 1974. "Dediquei-me à pesca e apanha das algas. Teve que ser, não sabia fazer mais nada". Há seis anos que é o táxi marítimo das embarcações. "Tem dias que faço mais de 50 viagens", aponta. Por vezes, pedem-lhe para fazer as amarrações ou manobrar a grua, quando algum barco tem uma avaria e precisa de vir a terra. "É um trabalho violento, especialmente no Verão. Muitas vezes pedem-me várias coisas ao mesmo tempo e esquecem-se que só tenho um corpo", lamenta o antigo pescador, com uma ponta de orgulho. Apesar do volume das solicitações diz que gosta do que faz e elogia a forma como é tratado pelos que utilizam os seus serviços. "São todas pessoas educadas e compreensivas. E já fiz grandes amizades com advogados e engenheiros", acrescenta. Quando os visitantes são estrangeiros é que é pior: "Às vezes vêm aí ingleses e americanos e vejo-me um bocado aflito para os compreender. Em espanhol lá arranho qualquer coisa". Há pouco tempo calhou-lhe um escocês, que encalhou na baía. "Não percebia nada do que ele dizia, mas lá nos conseguimos entender por gestos". Luís Chicharro Robalo diz que continuará a fazer este serviço "até ter saúde para trabalhar, porque só a reforma da pesca não dá para comer". Ti Luís trabalha para o Clube Náutico de São Martinho do Porto, que lecciona e organiza várias actividades náuticas recreativas na praia, de vela e canoagem. "O nosso grande projecto é ter uma escola de vela continuada, quer acompanhe o desenvolvimento desta prática até à fase federada", diz o presidente do clube, Luís Bairrão. Precisam ainda ver concluído o futuro edifício da sede, começado há vários anos mas que tarda a ser concluído. O serviço de táxi é prestado aos que deixam o barco na baía, que são automaticamente convidados a entrarem para sócios. "Mas acabamos por fazer esse serviço, também graciosamente, às embarcações de passagens em São Martinho do Porto". O clube náutico tem ainda uma escola de navegação de recreio, que ministra cursos para a carta de marinheiro, de patrão local e patrão de costa. Bandeira azul: não temRestaurante/bar: 1Toldos: temChapéus de colmo: nãoEspreguiçadeiras: nãoNadador-salvador: temMotas de água para salvamento temRede de vólei: nãoEquipamento náutico para aluguer: temEstacionamento gratuito: temPiscina: nãoQualidade da água: boa/aceitávelPróxima praia: Praia Grande, em Sintra

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