Incêndio da serra de Monchique virou-se para Silves com uma fúria desmedida

O incêndio que lavra desde sexta-feira na serra de Monchique saltou ontem para o concelho de Silves com uma fúria desmedida. O fogo surgiu, em cinco pontos distintos, quase em simultâneo. A presidente da Câmara, Isabel Soares, acha "muito estranha" esta coincidência, mas não quis fazer acusações. Quem se queixou foi a Câmara de Aljezur, porque teve o fogo às portas da vila, durante a noite de segunda-feira e, ontem à tarde, na altura em que as labaredas ainda eram ameaçadoras, os meios aéreos foram desviados para o concelho de Silves. O Ministro da Administração Interna, Figueiredo Lopes deslocou-se ontem a Aljezur, para avaliar a situação no terreno. Duas horas depois de partir, os meios aéreos deixaram de actuar neste concelho, para passarem a atacar as chamas em Silves. O vereador José Gonçalves, responsável pelo pelouro da Protecção Civil, criticou essa opção. "Retiram-nos os helicópteros sem que fosse dada qualquer explicação ao comando local". À hora do fecho desta edição, neste concelho, o fogo progredia em duas frentes - uma a norte e outra em direcção a Lagos. A chegada da noite, com o vento a levantar-se, fazia temer o pior. No comando operacional local, instalado no quartel dos bombeiros, o vereador José Gonçalves, pelas 13h00, perguntava: "Onde estão os Canadair e os helicópteros? A pergunta, dirigida aos jornalistas, tinha por objectivo chamar a atenção para o fogo que lavrava em oito frentes à volta da vila. Pelo quartel, alguns bombeiros descansavam depois de almoçar, retemperando forças. A cozinheira, por seu lado, pegava num panela com comida para mandar para os homens que continuavam no mato, a precisar de alimento. A autarca de Silves, líder do PSD/Algarve apelava à solidariedade, para que "todos" pudessem travar as chamas que saltam de concelho para concelho de uma forma galopante. Os locais que estão a ser mais fustigados pelo incêndio, são os mesmos que, por coincidência, na altura da época das chuvas também mais sofrem com as chuvas torrenciais. A limpeza das matas não é dificuldade apenas na época dos incêndios - quando vierem as enxurradas, os problemas passarão a ser as inundações. "Um deserto de cinzas" Entre Marmelete, no concelho de Monchique, e Aljezur, a paisagem assemelha-se a um deserto de cinzas. Ao lado da estrada ainda se encontram postes de telefone a fumegar, em consequência do fogo de há dois dias. Em Aljezur, os momentos mais dramáticos verificaram-se durante a noite de segunda-feira, quando os ventos mudaram de quadrante e a vila ficou rodeada de chamas. O serviço de Protecção Civil, com o auxilio da GNR, fez deslocar para o quartel dos bombeiros, por correrem perigo de vida, duas centenas de pessoas. Com o romper do dia, o amainar do vento e a chegada dos meios aéreos, o fogo, pouco a pouco, ficou controlado. Assim, as populações puderam respirar fundo,- tanto quanto possível- já que toda a serra estava envolta em nuvens de sumo espesso. À medida que se subia a montanha, em direcção a Monchique, aumentava o cheiro a queimado. De um lado e do outro da estrada, o terreno assemelha-se a um deserto cinzas, com árvores queimadas, testemunhando o drama vivido. Na parte da tarde, no concelho de Silves, um dos focos de incêndio deflagrou próximo do Centro Cinegético, numa reserva de caça. Os populares ocorreram ao lugar, sobretudo para verem o trabalho dos helicópteros, vindos da Alemanha, que lançavam água, num movimento circular e quase contínuo. Porém, as chamas não se chegaram a aproximar deste parque, onde existem veados e os espécies selvagens em liberdade, dentro do parque. No combate às chamas, aos bombeiros juntaram-se funcionários municipais, com auto-tanques. Os populares, a poucos metros da chamas, armaram-se em peritos do fogo, comentando as habilidades dos pilotos alemães, nas manobras aéreas. Mais à frente, em São Marcos da Serra, temeu-se pelo aproximar da bomba de gasolina, mas não chegou a estar em perigo. Em consequência do incêndio, o Itinerário Complementar(IC1) foi cortado ao trânsito. A baixa do burroNo sítio das Relvinhas, junto à estrada de Aljezur para Monchique, um burro carbonizado era imagem da desolação que se vivia no local. O animal, disse Amílcar Pacheco, filho do antigo morador da casa que ardeu parcialmente, pertencia ao vizinho. "Tentou escapar às chamas, mas não conseguiu". Imagens como esta, pouco a pouco, vão surgindo nas áreas ardidas. As pessoas, por ordem das autoridades, abandonam as casas. Os animais, quando é possível, são deslocados para áreas já ardidas. Quando isso não possível, morrem. Amílcar Pacheco, distribuidor de pão de Monchique, nasceu na casa ao lado do estábulo. Para a escola primária, em Aljezur, recorda, ia de burro ou pé. Agora, ao ver o animal falecido, lembrou-se da infância e não deixou de lamentar a perda do jumento.legenda: Junto à estrada de Aljezur para Monchique, um burro tentou escapar às chamas, mas não conseguiu

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