"A Lista de Schindler", de Thomas Keneally

Em todas as conversas sobre Schindler, há sempre uma altura em que os amigos sobreviventes de Herr Direktor "piscam os olhos e abanam a cabeça e iniciam a tarefa quase matemática de enumerar as suas razões, dado que um dos sentimentos mais comuns entre os judeus de Schindler ainda é: 'Não sei porque razão o fez'", escreve Thomas Keneally em "A Lista de Schindler". Se o exacto porquê fica por perceber, por explicar, não há dúvidas sobre o que fez Oskar Schindler. Nenhuma dúvida para aqueles que Keneally cita - o que fez foi tornar possível que estejam vivos.Talvez o porquê não possa ser apurado porque há períodos na história em que os porquês não contam assim tanto e, como diz a Schindler uma das suas futuras sobreviventes (num episódio incluído pelo autor no Prólogo, e situado no Outono de 1943), há períodos e locais em que "não podemos dizer a nós próprios: 'Se respeitarmos estas regras, estamos seguros.'".O campo de trabalhos forçados de Plaszów, nos arredores de Cracóvia, na Polónia ocupada, era um desses locais. O gueto erguido na cidade quatro anos antes também o fora. Embora os milhares de judeus que para ali se mudaram tenham pensado que no seu interior estavam seguros, que tinham deixado o mal à porta, este acabou por entrar e varrer tudo. Houve outros locais assim nesses anos; de facto, todos os territórios ocupados foram assim para os judeus.Depois de abanarem as cabeças, os judeus de Schindler arriscam, tentam acertar nos seus motivos. "Pode dizer-se, para começar, que Oskar era um jogador, um sentimental que adorava a transparência, a simplicidade de fazer o bem; que Oskar era, por temperamento, um anarquista que adorava ridicularizar o sistema; e que por debaixo da sua sensualidade gulosa, jazia uma capacidade de se indignar com a selvajaria humana, de reagir a ela e de não se deixar abater", escreve Keneally. Pode dizer-se tudo isso, mas nada do que se possa dizer, conclui o autor, explica exactamente o que fez Oskar Schindler nesse Outono de 1944. E a "obstinação" com que o fez. Simplesmente, fê-lo. Encontrou um último abrigo para os judeus da sua fábrica Emalia, que desde que chegara a Cracóvia, cinco anos antes, atrás dos blindados do general Sigmund, que a conquistara, o tinham ajudado a enriquecer. Para continuar a ganhar dinheiro, terão pensado os que dele foram recebendo subornos e pagamentos para apressar o desvio dos seus judeus do caminho certo dos fornos de Auschewitz.Relato jornalístico do HolocaustoPara isso não foi. Alguns dos "seus" judeus estimam que gastou mais do que o próprio calculou depois do fim da guerra. Gastou quase tudo o que tinha e era muito o que tinha para gastar. Mas conseguiu que mais de 1100 judeus vissem chegar o fim da guerra sãos e salvos. Alguns desses, os da sua lista, tornaram possível a reconstituição dos seus cinco anos em Cracóvia, a história que é a do seu próprio salvamento. É "A Lista de Schindler", escrito pelo australiano Thomas Keneally em 1981, vencedor do Booker Prize em 1982.A Keneally, um dos mais bem sucedidos escritores australianos vivos, incluído na lista para o Booker quatro vezes antes de 1982, alguns críticos apontam que "A Lista" - publicado como "A Arca", antes da adaptação de Steven Spielberg de 1993 - é mais um relato jornalístico do que um romance de ficção. O autor explica ter-se decidido pelo romance por ser o "saber" que pode reivindicar possuir e pela riqueza e ambiguidade da personagem central. Isto apesar de ser verdadeira a história que escreveu e de ter procurado evitar a ficção. Para escrever a história de Oskar, Keneally foi ajudado por dezenas de sobreviventes da sua lista. A começar por Leopold Pfefferberg, o primeiro de quem a ouviu em 1980, por acaso, numa loja de malas onde entrou. Consultou ainda inúmeros documentos e ouviu testemunhos de companheiros de Oskar dos anos da guerra e de amigos do pós-guerra. Entre as provas documentais consultadas há papéis e cartas do próprio Schindler, uns disponibilizados por amigos, outros pelo Yad Vashem, o Memorial do Holocausto. Com Pfefferberg, viajou ainda até alguns dos principais cenários da narrativa. A cidade de Cracóvia, o campo de Plaszów, que Amon Goeth dirigira, a Rua Lipowa, em Zablocie, onde se ergueu a Emalia, e Auschwitz-Birkenau, de onde Oskar conseguiu arrancar as mulheres da sua lista.Contada por Keneally, esta é também a história de alguns dos que Schindler salvou e de outros que integravam o sistema corrupto e cruel em que o comerciante por temperamento, tornado industrial de sucesso pela guerra, se movia como poucos. A de Amon Goeth e a de outros que anos depois ainda tremiam só de dizer o seu nome. Como o contabilista Itzhak Stern, que disse a Schindler quando o conheceu, citando o Talmude, que "quem salva uma única vida salva o mundo inteiro". Uma história que começa na infância de Oskar e que acelera até 1938, quando, aos 20 anos, se junta ao Partido Alemão dos Sudetas. Depressa teve a sensação de que se daria uma viragem na história e ficou seduzido pela ideia de participar nela. "A Lista de Schindler" é o relato da sua participação.

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