Arte salva na Guerra Civil em exposição no Museu do Prado

Durante três anos, centenas de quadros, esculturas e as mais diversas obras de arte fizeram um verdadeiro périplo por Espanha, acabando por passar a fronteira, encontrar refúgio na Suíça e, após o fim da Guerra Civil, regressar a Madrid. A defesa do património artístico de Espanha entre 1936 e 1939 é o tema de uma exposição agora no Museu do Prado. Mais de 170 fotografias, 35 objectos e documentos da época, a maioria dos quais inéditos, relatam esta odisseia."Fomos ao Museu do Prado para defender a arte dos bárbaros e incultos trimotores alemães", escreveu Rafael Alberti a seguir aos primeiros bombardeamentos de Madrid. Nesse momento, começava uma aventura da Guerra Civil espanhola pouco conhecida: a defesa do património, através do labor da Junta de Protecção do Tesouro Artístico. "Fomos catalogando todas as obras que recebíamos", relata numa entrevista em vídeo, exibido na exposição do Prado, Natividad Gómez Moreno, filha de um dos mais importantes historiadores de arte de Espanha dos séculos XIX e XX.Hoje com 94 anos, Dona Natividade, que vive no estrangeiro desde que se exilou após a Guerra Civil, recordou esse esforço, estranho a uma criança, metida de manhã à noite no Prado: "Apontava o número da peça e juntava uma pequena descrição, como se fosse uma erudita." Foi a consciência destes intelectuais, artistas e escritores - logo após os primeiros incêndios de conventos, bibliotecas e palácios - que levou ao lançamento de uma campanha em defesa do património. Em três anos, foram salvas centenas de obras de arte, incluindo obras-primas de Velásquez, Goya, El Greco, Ticiano, El Bosco e Duhrer.Alunos de Belas Artes, primeiro em toscos cartazes e, mais tarde, no âmbito de uma acção do Governo da República, alertavam: "Cidadãos, não destruas nenhum desenho nem gravura antiga, há que conservá-los para o tesouro nacional." E foi assim que, pelas mãos de criança Natividade, passaram crucifixos com pedras preciosas, pequenas telas e peças de esculturas.Os bombardeamentos aéreos levaram a uma rápida decisão: transportar este tesouro nacional, incluindo uma boa parte do espólio do Prado, para Valência. Tarefa complicada a de embalar e registar a saída das obras e, sobretudo, viajar em Novembro de 1936 por um país em guerra.A uma média de 15 quilómetros por hora, os camiões levavam dia e meio a chegar a Valência. Com muitos problemas pelo meio: a passagem da ponte de Arganda, por exemplo, demorou quatro horas, porque alguns dos volumes tinham uma altura superior à da estrutura de ferro. Então, com suor e engenho, as caixas de madeira foram retiradas dos veículos e foi sobre uns cilindros inventados no local que passaram a ponte. No regresso de Valência, os camiões traziam laranjas para uma Madrid esfomeada.71 camiões com obras de arteO avanço dos franquistas, com o auxilio dos "camisas negras" italianos, que da Andaluzia avançavam para norte sempre junto ao Mediterrâneo, levou a uma nova fuga, em Março de 1938, rumo à Catalunha. "A viagem de Valência para Barcelona foi muito difícil", conta Judith Ara, comissária da exposição. "Houve quadros que sofreram estragos e tiveram que ser restaurados como '2 de Maio' de Goya" (de 1808, também conhecido como "Fuzilamento").Mas as duras batalhas de Aragão anunciavam a queda das praças republicanas catalãs. Então, o recém criado Comité Internacional para o Salvamento dos Tesouros de Arte espanhóis assinou um acordo em Fevereiro de 1939 com a Sociedade das Nações que ficou responsabilizada pela segurança das obras. E inicia-se nova viagem: 71 camiões transportam para França o espólio que, depois, seguirá por comboio para Genebra, na Suíça. "A viagem até Perpignan, no meio de refugiados e bombardeamentos, foi um verdadeiro caos", diz a comissária.Dois dias após a entrada dos nacionais em Madrid, e nas vésperas do fim da Guerra Civil, a Sociedade das Nações entregou o tesouro artístico espanhol ao Governo de Burgos. O executivo de Franco acedeu à montagem de uma exposição, de Julho a Agosto de 1939, no museu de Arte e História de Genebra, com as grandes obras do Museu do Prado: quadros de Velásquez, Goya, El Greco, Ticiano, El Bosco, Duhrer... Depois foi o regresso, por estrada, a Espanha, atravessando França depois de Paris já ter declarado a guerra à Alemanha. Um périplo em plena II Guerra Mundial."O meu pai contou-me que tinha sido muito difícil trazer os quadros, alguns sem caixa", recordou Angel Macarrón, filho de um jovem emissário do Governo de Burgos que, com 17 anos, participou nesta missão. "A família Macarrón" - precisa Judith Ara - "já estivera envolvida na evacuação decretada pela República". Uma família dividida pelo conflito mas unida pela paixão pela arte. "Em Genebra, quando o Governo de Burgos toma posse do tesouro, a sua delegação mantém encontros com membros da Junta de Protecção do Tesouro Artístico da República para analisar o inventário", prossegue a comissária. Então, por toda a Espanha, os vencedores só falavam com os vencidos em tribunais de guerra antecedendo os fuzilamentos."Arte Protegida. Memória da Junta do Tesouro Artístico da Guerra Civil"Museu do Prado. Salas 51 a e 51 b. Até 14 de Setembro. De 3ª a dom. entre as 9h e as 19h. Acesso recomendado: Porta de Goya Baja. Bilhetes a 3 euros.

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