Fundação Musical dos Amigos das Crianças celebra 50 anos

"Se é bom sonhar também é bom fazer qualquer coisa com o sonho", disse a violoncelista e pedagoga Adriana de Vecchi ao PÚBLICO (edição de 31-12-1990). Tinha 94 anos, viveria apenas mais cinco, mas o seu espírito permanecia iluminado pela juventude porque "só envelhecem as pessoas que não se sabem maravilhar com o belo". A sua vida foi a perseguição de um sonho que converteu numa realidade bem palpável e num contributo inestimável para a vida musical portuguesa, sobretudo pela quantidade e qualidade dos instrumentistas profissionais formados pela escola de música da Fundação Musical dos Amigos das Crianças (FMAC), que criou em 1953, mas também pelas suas acções de divulgação musical e pelo seu papel, pioneiro em Portugal, no ensino da música desde a infância. A FMAC cumpre este ano meio século de existência, uma efeméride que tem sido assinalada com várias actividades, incluindo uma exposição evocativa. Na passada quarta-feira, o Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém recebeu o último de uma série de concertos comemorativos, onde se apresentaram alunos de vários níveis e idades, aos quais se juntaram, no final, alguns professores e antigos alunos na interpretação da Dança Húngara nº 5, de Brahms, e da abertura da ópera "O Amor Industrioso", de Sousa Carvalho, adoptada como hino da FMAC. A história da instituição foi relembrada por algumas projecções de fotografias e outros documentos (incluindo uma comovente gravação da voz de Adriana de Vecchi) e pelos comentários do maestro Leonardo Barros, actual director pedagógico, e Judite de Lima, uma voz bem conhecida dos ouvintes da RDP-Antena 2, também ela uma antiga aluna da FMAC.Rigor e disciplinaSe durante as últimas décadas (a partir dos anos 60, quando os seus alunos começaram a ocupar as estantes da Orquestra Sinfónica da RDP) se tivesse realizado um inquérito aos instrumentistas de cordas das várias orquestras portuguesas, uma enorme percentagem responderia ter passado pela FMAC. A estes há juntar vários solistas, professores e, certamente, muitos bons ouvintes. Entre essas figuras relevantes contam-se, entre outras, o pianista Jorge Moyano, as violoncelistas Irene Lima, Maria José Falcão e Clélia Vital, os violinistas Anibal Lima, António Anjos e Vasco Broco, a violetista Anabela Chaves ou o compositor Alexandre Delgado, cujas primeiras obras foram precisamente compostas para a orquestra da escola.Há 49 anos na FMAC (primeiro como aluno de contrabaixo e violoncelo, depois como o mais directo colaborador de Adrana de Vecchi e do seu marido, o violoncelista Fernando Costa), Leonardo Barros pensa que o segredo do sucesso reside no facto de "os alunos começarem a fazer música de conjunto muito cedo, para além do rigor e disciplina que esta implica." Muito antes das classes de conjunto serem obrigatórias nos programas dos conservatórios e do surgimento das escolas profissionais, já a FMAC apostava na prática da música de câmara e da música orquestral como exercício regular - a sua orquestra foi criada em 1954, sendo portanto a mais antiga orquestra juvenil do país e, inclusive, a mais antiga orquestra portuguesa em actividade. O maestro salienta também a entrega e a dimensão humana do ensino praticado pelos fundadores. "Fernando Costa deixou em segundo plano uma brilhante carreira de violoncelista para se dedicar à escola. Escrevia composições para os alunos e transcrições para a orquestra, ele próprio copiava as partes! A Adriana nunca desistia, ensinou até ao último dia. Dizia sempre: 'Mesmo que pareça que estamos a falar para uma parede, para gente aparentemente desinteressada, para alguém que nem nos quer ouvir, vale sempre a pena'." Filha de um português e de uma italiana, Adriana de Vecchi tinha regressado há pouco de Itália, quando proferiu, a 15 de Junho de 1953, uma conferência no Museu João de Deus, subordinada ao tema "O Ensino da Música na infância e a sua projecção no futuro". Na assistência estava Sofia Abcassis, que ficou de tal modo impressionada que pôs de imediato à disposição algumas das salas da sua residência para o início de uma Escola Cultural Infantil. Este foi o embrião da FMAC, cujos estatutos destacavam entre os seus objectivos "proporcionar a aprendizagem musical às crianças e jovens, independentemente da sua origem sócio-económica." Rapidamente os alunos e agrupamentos da FMAC começaram-se a apresentar em concerto em Lisboa (tanto nos bairros camarários mais pobres como em cerimónias oficiais) e noutros pontos dos país numa verdadeira acção de descentralização, que incluiu, por exemplo, a primeira apresentação de uma orquestra na ilha da Madeira (1960). Surgiram também deslocações ao estrangeiro (Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica) e a participação do seu Coro Juvenil em produções de ópera no São Carlos.Galardoada com a Medalha de Mérito Cultural (1985) e reconhecida como Instituição de Utilidade Pública (1992), a FMAC já editou três discos, "Canções Tradicionais Portuguesas", "Cantar o Natal" e "Clássicos Madeirenses"; publicou a partitura do Quarteto em Lá menor, de Fernando Costa, e um Livro sobre a Nova Técnica de Contrabaixo, de Álvaro Silva. Recentemente, recebeu uma casa no Porto, doada por Ilda Moura, mas em Lisboa os seus 200 alunos continuam a habitar as minúsculas instalações da Travessa de Santo Ildefonso. Há anos que se arrastam as diligências para a obtenção de uma casa maior (a recuperação de um edifício no Largo do Rato), cujo projecto se encontra em apreciação na Câmara de Lisboa.

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