Edifício do Iodo vai ser demolido

O edifício onde outrora funcionou a Discoteca Iodo, em Francelos, e que ultimamente tem estado reduzido a uma ruína, vai ser hoje finalmente demolido depois de um longo processo negocial que envolveu o Ministério do Ambiente, a Câmara de Gaia e o proprietário do terreno. A demolição da estrutura que chegou a ser em tempos apodada de "escarro ambiental" pelo presidente da câmara, Luís Filipe Menezes, deverá acontecer por volta das 13h00, sob o olhar do ministro do Ambiente, Amílcar Theias, que hoje efectua um périplo pelo concelho gaiense. Com este acto de algum simbolismo, a câmara pretende dar um novo impulso ao seu objectivo de limpar as zonas degradadas da orla marítima. Na demolição do Iodo, cujos trabalhos se deverão prolongar por alguns dias, será usada uma tecnologia semelhante àquela que foi recentemente aplicada na eliminação do velho Hotel Mirassol, em Miramar. Segundo informou ao PÚBLICO o vereador do Ambiente, Poças Martins, em substituição do velho Iodo deverá nascer um novo empreendimento ligado à restauração que permita uma utilização moderada e no respeito pelo património dunar. Nos seus tempos áureos, o Iodo chegou a ser um local de culto. A discoteca surgida em 1979 marcou uma geração. Ficava isolada entre o mar e a mata. Naquele tempo, não havia lugares nocturnos como agora, mas diz quem lá foi que nenhum hoje se lhe compara. O que restou do espaço, onde outrora a música e a euforia se misturaram, foi o esqueleto de uma casa, triste e abandonada, entre bares novos que foram enchendo as margens da praia. O imóvel apareceu clandestinamente, segundo contou Manuel Augusto, técnico de som que trabalhou no Iodo como "light-jockey" (dj de apoio). Inicialmente pensado para funcionar como um restaurante ou uma residencial, acabou por servir de lugar de refúgio para os amantes da música. "Os anos oitenta estiveram ao rubro, ali. As pessoas só ouviam a música. Bowie, Led Zeppelin, Bob Dylan, The Smiths. Tinha de tudo", relembra Manuel Romani, fotógrafo de 36 anos. "Ir até lá era uma aventura. Mesmo quando chovia, eu e o meu grupo íamos muitas vezes a pé na esperança de arranjar boleia para regressar, mas às vezes não tínhamos sorte. Ainda eram uns quilómetros, demorávamos duas horas a caminhar", conta."Havia o culto do Iodo. E todos os fins-de-semana chegavam grupos de 'habitués' de vários pontos do Norte. Ofir, Braga, Espinho... Vinham de todo o lado, e grupos de trinta pessoas", explica Quim Sousa, pintor de 43 anos. "Foi lá que filmaram uma cena do filme "Chico Fininho", em 81, com Victor Norte. O Reininho também escreveu lá a música 'Dunas'. Era um lugar fantástico. Misturava-se tudo - desde prostitutas a vereadores, desde os 14 anos até aos 80. Era a loucura total", acrescentou.No encontro com o underground e com a música era inevitável não descobrir Jorge Bessa, melhor dizendo, Chibanga, considerado um dos melhores dj's da época: "Estive lá de 81 a 84, e depois regressei esporadicamente. Quando punha música, isolava-me do resto do espaço e não gostava que me incomodassem. Tentavam subornar-me com bebidas e outras substâncias, mas nunca funcionava. É claro que não recusava as ofertas. Também foi lá que conheci a minha mulher".O lado negroContudo, o Iodo também reservava espaços obscuros e nos recantos não era difícil descobrir o circular de drogas. Quem lá ia conta que as rusgas eram uma constante, assim como as cenas de "pancadaria". O edifício também era alvo de obras que nunca pareciam ter fim (apesar de não impedirem o funcionamento da discoteca). Características que assustavam, mas não desmotivavam. "As pessoas iam para a varanda fumar charros e, quando davam conta de que a polícia estava a caminho, chegavam mesmo a saltar da varanda para a praia e fugir", relata Alberto Magalhães, 43 anos."Sou um toxicodependente em recuperação e a minha incursão no mundo da droga começou no Iodo. Chegava para trabalhar já a ansiar pela chegada do meu fornecedor. Começou a ser desesperante. Era demasiado fácil ter acesso a droga", confessa o "light-jockey".Durante quatro anos, o Iodo manteve uma actividade inigualável, sempre a abarrotar, sempre com problemas e má gestão, sempre com misticismo, garantem os clientes assíduos. Depois, por volta de 85, foi o fim. A discoteca começou a ser frequentada só pelos buliões, afastando os outros. Acabou. As filhas e genros do proprietário da altura, Raul Ribeiro, aproveitaram o edifício para abrir o Amnésia. Uma discoteca que veio revolucionar a animação nocturna do Norte, segundo conta Manuel Augusto. "Foi no Amnésia que começaram a aparecer os dançarinos profissionais e as noites temáticas. Uma delas envolveu animais de circo, noutra estiveram celas onde duas pessoas jogavam xadrez", recorda. A seguir, foi a vez de aparecer a discoteca K.U., mas também não durou muito. Desde 92 que a casa foi deixada ao abandono. Só em 2002, com a decisão dos órgãos governamentais de o demolir, é que o Iodo voltaria a dar que falar.

Sugerir correcção