O que fizeste nos anos 70, Coppola, Spielberg, Lucas e Scorsese?

O que fizeste nos anos 70, paizinho? Os filhos de Francis Coppola, Steven Spielberg, George Lucas ou Martin Scorsese terão respostas variadas, e provavelmente qualquer uma delas, hoje, vai parecer-lhes improvável. Mas é verdade: os papás pertenceram à "geração do sexo e das drogas que salvou Hollywood", como dizia o subtítulo do já famoso livro de Peter Biskind, "Easy Riders and Raging Bulls - How the sex and drugs generation saved Hollywood" (1998), sobre o grupo que chegou a Hollywood no final dos anos 60 e não pediu licença para entrar; aproveitou as ruínas do sistema clássico dos estúdios e escancarou as portas.O título é irónico, não porque não tenha havido sexo e drogas em Hollywood nos anos 70; houve, e até massacres - durante muito tempo, ninguém dormiu em Beverly Hills com pesadelos com Charles Manson.É irónico, porque Biskind faz um ajuste de contas. Afinal, escreveu a crónica de um grupo que sonhou com a utopia de um cinema de autor mas, num curto espaço de tempo, foi devorado pelos seus excessos (o sexo e as drogas, e a megalomania) e permitiu que uma nova ordem industrial se sobrepusesse à contracultura.Mais do que isso: criou a lógica dos "blockbusters" e daquilo que hoje é linguagem corrente de uma indústria, os números das bilheteiras no primeiro fim-de-semana de estreia, ou seja, a cultura dos recordes. Portanto, a história deles também é uma história de falhanço.Depois do livro, chega o filme, que foi exibido em Cannes em sessão especial. "Easy Riders and Raging Bulls - How the sex and drugs generation saved Hollywood", documentário de Kenneth Bowser, é um condensado do livro de Biskind, centrando-se nos momentos e nas personagens principais: a "nouvelle vague" francesa e figuras do circuito alternativo americano, cujo encontro e influências dariam origem ao momento charneira que foi "Bonnie & Clyde", o filme de Arthur Penn que, ao reconstituir a morte de um casal de "outlaws", deu à América jovem do final dos anos 60 um espelho reflector do turbilhão do seu tempo, ou seja, drogas, Vietname e libertação sexual; Roger Corman, papa da "série B", embrião onde começariam alguns dos maiores talentos do cinema americano (e também dos mais frágeis, como Coppola, Scorsese ou Peter Bogdanovich); os voláteis e auto-destrutivos Sam Peckinpah e Hal Ashby (os que mais bebiam) e aqueles, sem jeito para conquistar raparigas e para o excesso, mas com faro para o negócio, Spielberg e Lucas, descobridores de uma mina de ouro: o público jovem.Claro, há também alguém com jeito para conquistar raparigas e com astúcia para o negócio, como Warren Beatty.Além de "Bonnie & Clyde", há imagens de "The Last Picture Show" ("A Última Sessão"), "O Padrinho" (o primeiro filme a estrear em 400 salas americanas) e "O Tubarão" (o primeiro filme a estrear em 1200 salas, o que fez com que a partir de então nada fosse como dantes) e, claro, "Star Wars" ("A Guerra das Estrelas"). E entrevistas aos protagonistas (os que sobreviveram e os que não se zangaram com o retrato que a obra de Biskind fez deles) e imagens de época. É o que um documentário pode acrescentar a um livro. Quanto ao resto, o filme de Bowser, que tem o formato e a eficácia dos documentários televisivos, não tem a profundidade do livro de Biskind. Nem um olhar de encenador, que é o que faz Biskind enquanto escritor, ligando as várias histórias e retratos de forma dramática e até cinematográfica, como uma "mise-en scène" de golpes de teatro e uma "montagem paralela" entre momentos de sintonia e de traição.O filme vale como fixação da história do cinema americano dos anos 70 (hoje tão citado), mas para se ir mais além do didactismo o melhor é procurar em "The Kid Stays in the Picture", documentário de Nanette Burstein e Brett Morgen, que Cannes viu em 2002: os fantasmas, os sonhos "bigger than life" e os logros de uma época, através do retrato auto-encenado de um desses da "sex and drugs generation", o produtor Robert Evans.

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