Radiohead estreiam em conceerto novo álbum

Não se sabe ao certo se entre as cerca de mil pessoas que passaram no sábado pelo Olympia Theatre de Dublin estavam alguns dos "piratas" que os Radiohead acusam de terem descarregado "Hail to the Thief" da Internet dois meses antes da sua edição, mas a julgar pela reacção do público ao novo álbum de Thom Yorke & Co. eles não terão sido poucos. O que é certo é o que o sururu que se gerou à volta do alegado "roubo" inflacionou e muito as expectativas que rodeavam este regresso do quinteto de Oxford aos discos, para já evidentes na onda de entusiasmo que varreu a primeira digressão dos Radiohead em salas britânicas nos últimos seis anos: os bilhetes para os concertos de Dublin, Belfast, Edimburgo, Manchester e Londres (por esta ordem) esgotaram em poucas horas e os últimos terão mesmo sido detectados à venda na leiloeira "online" eBay por 450 euros, o que de longe faz deles os mais procurados do ano para uma banda rock (e não só). "Hail to the Thief" (qualquer coisa como "Salvé o ladrão") até podia ser traduzido como uma denúncia carregada de cinismo ao inimigo público nº1 da indústria discográfica, mas o título do novo álbum dos Radiohead (edição a 9 de Junho) refere-se na verdade ao célebre "slogan" de protesto contra a vitória eleitoral de George W. Bush depois da polémica contagem de votos na Florida. E o que faz o presidente americano no novo álbum dos Radiohead e, isso sim estranho, num velho mas belíssimo teatro vitoriano situado bem no centro da capital irlandesa num sábado como outro qualquer? Aparentemente, dá a cara pela culpa e o ressentimento do mundo desassossegado pós-11 de Setembro, que os Radiohead adoptaram para pano de fundo do seu sexto álbum de originais. Nada disto é novo nos Radiohead, que já antes tinham tomado posição sobre temas tão quentes na agenda política internacional como o aquecimento/desarmamento global e o perdão da dívida dos países do terceiro mundo. Há mesmo quem os veja na liderança de um novo alinhamento de bandas apostadas em trazer a consciência política de volta à música britânica, lado a lado com os Massive Attack, Blur e mesmo os U2 (embora muitos acusem Bono Vox de ter sido o primeiro e único a capitalizar com a sua aproximação e posterior adopção pelo G8). Entre "Kid A" e "Ok Computer" "Hail to the Thief", álbum e concerto, são a expressão máxima dessa inquietude (e haverá desassossego maior do que ver o hiperactivo Thom Yorke em cima de um palco?), sobretudo em temas como "2 + 2 = 5" (um ataque deliberado ao capitalismo, com Thom Yorke a expressar o terror de ser "metido numa caixa"), "Sail to the moon" (onde o vocalista dos Radiohead, pai há não muito tempo, receia pelo futuro do filho) ou "We suck young blood", que o próprio Yorke assumiu ser "anti-Hollywood" (a expressão é dele). Nesta última, novo "caso": durante as gravações do álbum em Los Angeles, os Radiohead espalharam por toda a cidade cartazes com a indicação de um número de telefone a pedir, entre outras coisas, "sangue novo" e "carne jovem", frases tiradas de "We suck young blood" e destinadas a instalar a confusão com uma campanha de recrutamento para um concurso de talentos para TV, tão em voga nestes dias. Apesar do conteúdo obviamente jocoso da mensagem, o guitarrista Ed O'Brien disse-nos horas antes do concerto que "as respostas à chamada foram, para já, às centenas". O que será novo em "Hail to the Thief", álbum e concerto, é a sua aproximação às estruturas mais convencionais da canção, depois da viragem radical à electrónica mais ou menos abstracta (e definitivamente não de grande consumo) operada em "Kid A" (2000) e prosseguida em "Amnesiac" (2001). "Hail to the Thief" pode mesmo ser visto como um álbum síntese dos 10 anos de carreira dos Radiohead, juntando o rock épico e progressivo de "OK Computer" (1997 e um dos melhores, senão o melhor, álbum de toda a década de 90) com as atmosferas dramáticas destes dois últimos álbuns, sem o mais pequeno resquício de comprometimento para ambas as partes. No palco do Olympia, mesmo as faixas que os Radiohead foram buscar ao baú do seu imenso reportório ("The national anthem", "I might be wrong", "Morning bell", "Like spinning plates", "Idioteque", "Everything in its right place", "Pyramid song", "Knives out", "Paranoid android" e "Karma police") remetem para esta faceta menos experimental, e ajudaram a fazer da noite de Dublin um concerto à altura de tudo o que seria de esperar deles (mas sem o magnetismo dos concertos do ano passado nos Coliseus de Lisboa e Porto, onde muitas das novas canções foram pela primeira vez testadas ao vivo). A EMI já avisou que só um milagre fará os Radiohead voltarem este ano a Portugal, mas a julgar pela quantidade de aparelhómetros que circulavam entre a plateia do Olympia é quase certo que por esta altura os primeiros concertos desta digressão já devem estar disponíveis num "site" perto de si. Para quem não é "pirata", e Thom Yorke preferia que ninguém fosse, o reencontro fica então marcado para dia 9.

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