Gripe espanhola matou 40 milhões de pessoas em dezoito meses

Na manhã de 11 de Março de 1918, Albert Mitchell, cozinheiro do complexo militar de Camp Funston, no Kansas (Estados Unidos), foi à enfermaria queixar-se. Tinha um pouco de febre, dores de garganta e de cabeça. O médico disse-lhe que devia estar engripado e mandou-o para a cama descansar. Foi o paciente número um da pneumónica, ou gripe espanhola, que em dezoito meses matou entre 40 e 50 milhões de pessoas em todo o mundo.Nesse 11 de Março, ao meio-dia, já estavam infectados 107 soldados. A estranha forma de gripe alastrou a outos quartéis, mostrando que a doença se propagava através do ar. Numa semana, todos os estados do país tinham casos. No total, morreram nos Estados Unidos 800 mil indivíduos - um número baixo quando se considera o total de morte no mundo; foi, aliás, a zona do globo menos devastada pela pandemia (uma epidemia de escala planetária).Muito rapidamente, o vírus responsável pela doença atravessou o Atlântico e, em Abril, foram notificados os primeiros casos em França. A meio desse mês, estava na China e no Japão e, em Maio, no continente africano. Na Europa, e devido à proximidade da I Guerra Mundial, que durara quatro anos e fizera seis milhões de mortos, os governos foram parcos na divulgação de informações sobre a pneumónica. Contudo, em Espanha, que foi neutral durante o conflito, a mortífera gripe foi objecto de tantos artigos nos jornais que ganhou o nome de "gripe espanhola". No livro "Ninth day of creation", o investigador de questões relacionadas com doenças Leonard Crane descreve como era fulminante o ataque da pneumónica, assim chamada porque a causa da morte era um efeito secundário da gripe, a pneumonia. O vírus aparecia numa comunidade, em duas ou três semanas atingia-se o auge no número de casos e de mortes e, tão depressa como chegava, a doença desaparecia. Explica Leonard Crane que a pneumónica atacou sobretudo jovens adultos, pessoas com vitalidade e um bom sistema imunitário. O vírus poupou os mais frágeis (crianças, idosos, doentes). "Não admira que se pensasse que a ordem social estava em derrocada", escreve Leonard Crane.Ainda hoje não há certezas sobre o vírus da gripe espanhola. Uma tese diz que teve origem numa gripe que atacou tropas no Tibete em 1917, tendo depois sofrido uma mutação que o tornou letal. Em Março de 1997, o Instituto de Patologia das Forças Armadas dos Estados Unidos anunciou ter isolado material genético do vírus. Uma tarefa possível porque médicos que realizaram autópsias em 1918 preservaram os pulmões de um soldado de 21 anos que a pneumónica matou.As análises apontaram para a possibilidade de o vírus ter passado de pássaros para porcos e destes para os humanos. O vírus terá permanecido estável nos pássaros, mas por acção do sistema imunitário dos porcos terá sofrido mutações. Tanto a gripe asiática (1957) como a de Hong Kong (1968), que não foram tão letais, foram provocadas por vírus que sofreram mutações quando alojados em porcos. O vírus instalava-se nos pulmões e os doentes afogavam-se nos seus próprios fluídos. "À medida que os pulmões se enchiam, começava a faltar o ar aos pacientes. Depois de tossirem durante várias horas, entravam em delírio e tornavam-se incontinentes. Muitos morriam tentando expulsar das vias respiratórias o líquido ensanguentado que às vezes lhes saía do nariz e da boca. Era uma coisa horrível", relatou Isaac Starr, que em 1918 era aluno do terceiro ano de medicina na Universidade da Pensilvânia. Estima-se que, ao todo, a gripe espanhola tenha infectado 525 milhões de pessoas. Foi a pandemia mais devastadora da história do mundo, apesar dos 137 milhões mortos pela peste negra - é que, enquanto esta doença fez as suas vítimas ao longo de séculos, a pneumónica matou 40 milhões entre Março de 1918 e Agosto do ano seguinte. Foram 18 meses de pesadelo.

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