Torne-se perito

O que eles diziam em 1991

A 2 de Agosto de 1990 milhares de tropas iraquianas invadem o emirado do Kuwait, sob o pretexto de estarem a responder a um pedido de ajuda de um grupo de "jovens kuwaitianos" que quer derrubar o emir Jaber al-Sabah. Este refugia-se imediatamente na Arábia Saudita. O Kuwait pede a ajuda militar dos EUA. O Presidente norte-americano George Bush (pai) condena veementemente a acção iraquiana, anuncia sanções económicas e pede o apoio da comunidade internacional. Apenas a Síria coloca o seu Exército em estado de alerta máximo. Os outros países árabes mostraram-se paralisados. Dois dias depois, a Arábia Saudita diz recear uma invasão do reino pelo Iraque. Bagdad começa um jogo do gato e do rato, anunciando retiradas do Kuwait que nunca se concretizam. No dia 7 Conselho de Segurança da ONU aprova a imposição de sanções económicas obrigatórias e um embargo à venda de armas ao Iraque. No mesmo dia, os EUA anunciam o envio de tropas para a Arábia Saudita. Os palestinianos aplaudem Saddam. No dia 8, uma semana depois da ocupação do Kuwait, Portugal autoriza a utilização da Base das Lajes. A partir de meados do mês, os EUA tentam ultrapassar as divergências com a França e a URSS. Paris critica a atitude americana e britânica de interceptar navios viajando de e para o Iraque, para fazer cumprir pela força o embargo. Portugal declara-se disposto a enviar tropas para o Golfo. Uma sondagem revela que os portugueses apoiam intervenção mas não querem participar no conflito. "Sobre a Europa, a vitória dos EUA é já quase total. Por defeito, ou antes, defecção, que mais não seja. O segundo Suez confirma e amplia a humilhação europeia do primeiro, merecida no contexto da época. O burlesco da situação é que nessa época a Inglaterra e a França intervinham no Médio Oriente pelas mesmas razões porque agora os EUA intervieram no Golfo. A Inglaterra aprendeu a lição, a França, provavelmente, menos pragmática e mais europeia, à sua maneira, não se esqueceu do agravo. Pior para todos e, se calhar, "à la longue", também para os Estados Unidos. (É) É de temer que (É) daqui em diante a espiral do ressentimento islâmico se transforme num pesadelo para o mundo ocidental, como se voltássemos, de tapete voador, aos tempos de Saladino ou Solimão IIÉ Que Xerazade nos livrará deste pesadelo?""Como Ulisses, de uma certa maneira, esta Europa triunfante, quase de novo triunfalista, oásis da riqueza, da organização, do bem-estar social, (ao menos relativo), não é ninguém. Parecia tudo, com o seu Parlamento, o seu Conselho da Europa, a sua bela e fervorosa utopia unitária, à Jacques Delors, e quando chegou a hora de declinar o seu nome, de ser Europa em acto, de se autodefinir perante uma crise aguda de que em boa parte é responsável, não era nada"."Colin Powell é uma excepção fora do comum. Como presidente do Conselho de Chefes de Estado-Maior das Forças Armadas mostrou-se favorável ao uso da força de uma maneira como nenhum dos seus mais recentes predecessores o fizera (É). Poucas horas depois de o Kuwait ter sido invadido por tropas iraquianas, Powell propôs um plano ao Presidente Bush para a maior mobilização de poder de combate dos EUA desde o Vietname. Mais do que ninguém, Powell é responsável por delinear a resposta militar norte-americana no Golfo. O Presidente Bush passou a acreditar na máxima de Powell, que é subjugar o inimigo com poder de fogo logo desde o início"."Um dos aspectos mais obscuros da situação política vivida em Portugal por causa do conflito no Golfo tem sido a persistente ausência e o prolongado silêncio do Presidente da República"Vicente Jorge Silva (VJS), então director do PòBLICO, na edição de 30 de Agosto, referindo-se a Mário Soares"Em vez de termos definido uma posição de princípio na qual se enquadrariam as iniciativas posteriores, fomo-nos adaptando à sequência dos acontecimentos, exibindo a culpa da distracção estival dos nossos políticos e a desculpa dos nossos pobres meios militares"."O que é que pretendemos salvar? O harém do emir do Kuwait? O orgulho de George Bush? Ou os lucros das empresas anglo-americanas?"Editoral do jornal turco "Milliyet", em Setembro, quando a Turquia começa a preparar-se para a guerra"Só um fundamentalismo maniqueísta tão intolerável como o fanatismo de certos estrategos religiosos islâmicos poderá concluir que não estar, neste caso, com a América é estar com Saddam".Natália Correia indignada com uma notícia de "O Independente" que a dá como apoiante de Saddam Hussein"Deixei claro que o Iraque está sempre a favor de uma solução pacífica (É) Tem que haver uma solução árabe"Tarek Aziz, ministro dos Negócios Estrangeiros do Iraque depois de um encontro com o secretário-geral da ONU, Perez de Cuellar "Ao desencadear um conflito inter-árabe, o Iraque rejeitou a causa central dos árabes, assim como dissipou os esforços árabes""A vitória está muito próxima (É) Os EUA e os seus aliados precisam de 12 milhões de soldados para nos combaterem""[A crise no Golfo representa] o primeiro assalto contra o novo mundo que procuramos [mas] Saddam Hussein vai falhar. [É] Chegou a altura de colocar o país acima do indivíduo e o patriotismo acima do partido. [É] A nossa capacidade para sermos efectivamente uma superpotência depende da forma como nos conduzirmos internamente"George Bush, num discurso em que anuncia que o mundo está a viver uma "nova era" nas relações internacionais"É preciso que toda a gente perceba que esta batalha vai ser a mãe de todas as batalhas. [É] Não há qualquer hipótese de retirada"Saddam Hussein, a 21 de Setembro, através de um comunicado do Conselho do Comando da Revolução lido na televisão iraquiana"O terrorismo, 'espontâneo' ou apoiado por Estados, aumentará, sendo cada vez mais arriscado viajar de avião"António Barreto num comentário a 23 de Setembro intitulado "O mundo depois de Saddam""Quem irá governar o Iraque a seguir? Que conexão ficará com o mundo livre? Os EUA e os seus aliados precisam de pensar nas bases de democracia a implantar no país antes de darem o primeiro tiro"Iraquiano que, em Setembro, fala sob anonimato ao enviado do PòBLICO ao Dubai, Adelino GomesSaddam Hussein, a 30 de Setembro, num discurso a assinalar o nascimento de Maomé"Quem ainda estiver convencido de que Saddam Hussein abandonará o Kuwait sob a pressão das Nações Unidas não compreende o líder iraquiano; e quem sinceramente acreditar que os americanos se instalaram no Golfo por um período de tempo limitado tem uma visão tacanha da história. [É] Uma derrota iraquiana significará o fim do poder militar árabe. [É] No seu desespero, quantos árabes não se voltariam para a inspiração do Islão que tanto aterrorizou os corações ocidentais?" Robert Fisk, jornalista do britânico "The Independent", especialista em assuntos árabes, em Outubro"Há quem diga que George Bush tem uma certa incapacidade para tirar lições da História. Que os oito anos de silenciosa vice-presidência passada à sombra de Reagan demonstram a sua fraqueza de carácter. E que a mania deste desportivo ferrenho em jogar golfe e pescar em verdadeiros contra-relógios, se deve a falta de fôlego nas provas de resistência. O que não revela uma personalidade talhada para deixar traços nas areias do deserto".Perfil de George Bush assinado por Ana Navarro Pedro e Bill Morris a 13 de OutubroGrito de crianças iraquianas em frente à embaixada britânica em Bagdad, 13 de OutubroApelo dos portugueses que trabalhavam na construção de um palácio de Saddam em Bagdad, em Outubro"Se eu for ao Iraque trago todos os portugueses. Foi o próprio Saddam quem perguntou [ao líder argelino] Ben Bella por mim. Conhecemo-nos há anos em Bagdad e ele está a par da minha situação. (É) Posso tomar um avião de carreira, o próprio Hussein pode pôr à minha disposição um avião da sua Força Aérea para o regresso caso o Governo português não o faça""Não é com o petróleo que nós estamos preocupados, é com a agressão, e esta agressão não será tolerada"George Bush, num discurso a 23 de Outubro, em que acusa Saddam de "crimes contra a humanidade" e estabelece um paralelo entre o que Hitler fez à Polónia e o que Saddam fez ao Kuwait"Crise no Golfo anima o Algarve - turistas mudam de destinos à procura de paz e tranquilidade" "Lancemo-nos de uma vez por todas no combate ou regressemos a casa"Desabafo de um tenente-coronel norte-americano em missão na Arábia Saudita, no início de Novembro, depois de três meses à espera da guerra"Observarei as leis da guerra e só tentarei matar quem tentar matar-me" Frase do diário íntimo do primeiro-tenente "marine" William F. Dellany na Arábia Saudita, numa reportagem de Adelino GomesA partir de Dezembro a crise acelera-se. Bush propõe a Saddam que receba o secretário de Estado James Baker, diz que ainda é possível uma solução pacífica, mas avisa que "o tempo começa a esgotar-se". O secretário da Defesa Dick Cheney afirma que os EUA deverão ter um papel no futuro esquema de segurança no Médio Oriente para evitar nova agressão iraquiana. A 6 de Dezembro, o mundo respira de alívio quando Saddam anuncia a libertação de todos os reféns ocidentais que mantivera no país nos últimos meses. Os EUA e a Grã-Bretanha decidem vacinar todas as suas tropas no Golfo contra as armas biológicas. A França apresenta um plano de paz de última hora na ONU, mas os EUA rejeitaram. Começa a contagem decrescente."A crise no Golfo veio agudizar a urgência da conferência internacional para a paz no Médio Oriente"Vicente Jorge Silva, num editorial com o título "Lógica de paz?", a 7 de Dezembro"Trata-se de não ceder a uma chantagem que ninguém sabe como poderia terminar. Hoje foi o Kuwait que o Iraque engoliu. Amanhã seria a Arábia Saudita e por aí fora. Hoje é a chantagem química que Hussein utiliza, amanhã seria a chantagem nuclear ou biológica. A questão é: Hussein deve ser contido hoje, pelo preço de 20 mil mortos, ou deverá sê-lo só dentro de anos, pelo preço de dois milhões de mortos?"A autodeterminação dos povos da região pode ser tão oprimida por um acordo da diplomacia internacional quanto pelo "statu quo" guerreiro que actualmente predomina""A reintegração do Kuwait [no Iraque] é um facto, não uma aspiração. É a 19é província no mapa do Iraque. Uma realidade que permanecerá hoje e no futuro como uma parte da geografia e do edifício político iraquianos""Se a guerra eclodir, o barril de petróleo poderá custar inicialmente até cem dólares. [Mas] não penso que o cenário vá ser o mesmo dos anos 70, com bichas enormes nas bombas de gasolina e gente a armazenar combustível nas suas casas"Perito em questões petrolíferas, numa entrevista a 7 de Janeiro"Pensemos por um momento no impensável. O primeiro assalto às forças iraquianas é repelido. O Iraque responde com uma barreira de armas químicas e biológicas, matando dez mil soldados americanos e pelo menos outros tantos aliados. Os EUA só têm uma opção: um ataque nuclear táctico. Parece forçado?""A paz ainda é possível; a guerra seria o declínio de toda a humanidade""A distância entre os crentes e os infiéis é tão grande que não há espaço para posições neutrais"Saddam Hussein a Hafez al-Assad, Presidente sírio, a 13 Janeiro"A 19é província vai-se transformar no campo de batalha onde a nação árabe será libertada""Os custos terríveis da guerra que se anuncia não poderão ser suportados em vão. Não será possível continuar a virar as costas aos direitos dos palestinianos e às outras situações de opressão nacional no Médio Oriente, alimentando uma espiral de violência apocalíptica e criando, junto dos humilhados e ofendidos, a vertigem de um novo Saddam Hussein"."A guerra começou hoje. Daremos à América e aos seus aliados uma lição"Martin Fitzwater, porta-voz da Casa Branca, madrugada de 17 Janeiro"Não é apenas o Kuwait - e muito menos os emires do petróleo - o que está em causa, mas a oportunidade de o mundo encontrar, finalmente, um código que justifique o triunfo dos valores da civilização contra a vertigem da barbárie".Nota: Todas as frases citadas neste trabalho foram retiradas das edições do PòBLICO durante a crise do Golfo. Não pretendem ser uma recolha exaustiva.

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