Museu do Design pode manter-se no CCB nos próximos anos

Mais de um mês depois de Pedro Santana Lopes ter anunciado, para espanto geral, que a Câmara Municipal de Lisboa comprara a colecção do Museu do Design por dez milhões de euros, o coleccionador Francisco Capelo e o Centro Cultural de Belém, onde a colecção está exposta, continuam em total desacordo.No centro da polémica estão dois protocolos, um assinado em 1998 entre a Associação Design Moda e a Fundação das Descobertas/Centro Cultural de Belém, e o outro celebrado a 18 de Dezembro do ano passado entre a associação e a Câmara Municipal de Lisboa (CML).Os protocolos - relativos às colecções de design e de moda do empresário Francisco Capelo - apresentam algumas semelhanças (como a gestão cultural do acervo e a arbitragem de conflitos), mas o de 2002 pressupõe a anulação do primeiro.Destino da colecçãoPor enquanto nada está decidido quanto à relocalização da colecção. "Para já não há nada certo. A única coisa que podemos dizer é que o protocolo de Francisco Capelo com a câmara é de aquisição de peças, e o celebrado com o CCB é de exposição", avançou fonte da autarquia.Em aberto continua a possibilidade de a colecção continuar no CCB. O protocolo, aliás, diz que a colecção de design está toda no CCB, "cabendo à CML proceder ao seu levantamento, se assim o entender"."Não é previsível que a colecção saia nos próximos anos", diz Francisco Motta Veiga, administrador do CCB. "A CML até pode considerar que o depósito ideal para a colecção é o CCB. O protocolo não tem de ser denunciado pura e simplesmente. Pode ser transformado, mesmo implicando, a prazo, o afastamento da colecção."Os bastidoresApesar de a atenção recair agora sobre o destino final da colecção, há ainda um outro problema: decidir se o primeiro protocolo continua ou não em vigor.No ano passado, Francisco Capelo, conhecido por ter reunido a colecção do Sintra Museu de Arte Moderna, pôs a sua colecção à venda depois de, alegadamente, ter denunciado o protocolo com o CCB. Como argumento, invocou o "incumprimento", pelo CCB, do acordado.O CCB, porém, garante que o protocolo se mantém em vigor porque o "eventual diferendo" não foi analisado por um tribunal arbitral, como previsto. "Não chegou a realizar-se qualquer tribunal arbitral. Por isso, o protocolo nunca foi formalmente resolvido. Se o tivesse sido, o museu não estaria aberto", diz Motta Veiga.Estas opiniões contraditórias não impediram, no entanto, a assinatura do segundo acordo, que terá que ser ainda aprovado pela Assembleia Municipal, o que poderá acontecer na terça-feira.Para alguns, os contornos deste negócio com a autarquia ainda não foram esclarecidos. Para outros, a transacção foi a única forma de manter em Portugal um espólio único, que corria o risco de ser vendido ao estrangeiro.Nos bastidores da operação, os mais cépticos questionam o valor a que chegou a leiloeira internacional Phillips de Pury & Luxembourg - dez milhões de euros. E questionam também o facto de a câmara municipal ter comprado as colecções com base numa avaliação encomendada pelo próprio vendedor. Outros, porém, não duvidam da isenção da Phillips nem da integridade do coleccionador. O agora deputado do PS Manuel Maria Carrilho, amigo de Francisco Capelo, foi quem, publicamente, primeiro alertou para o "perigo" de a colecção sair de Portugal, afirmando no Parlamento, na véspera do negócio, que já havia interessados em comprá-la."Violações sistemáticas" do CCB O acordo celebrado entre Capelo e Santana Lopes parte do princípio que as colecções estão disponíveis. Mas será que estão? Capelo garante que sim.Em duas cartas dirigidas ao CCB - uma pelo empresário, outra pelo seu advogado, André Luiz Gomes - a Associação Design Moda denuncia formalmente o protocolo celebrado pelas duas entidades, devido a "violações sistemáticas" do mesmo.Numa carta de 4 de Julho (também enviada com aviso prévio para o Ministério da Cultura), Capelo chama a atenção para as recorrentes dificuldades de comunicação com o CCB desde Novembro de 2001.O coleccionador garante que não foi ouvido para a remodelação do Museu do Design (cerca de 350 peças, metade do seu espólio); que não recebeu qualquer comunicado relativo ao encerramento das instalações durante as obras de reconversão, nem aprovou a antecipação ("7 Ambientes, 7 Designers") ou cancelamento ("Garouste & Bonetti") de exposições temporárias."Sem querer ser injusto, posso concluir que desconheço em absoluto qual a intervenção feita no museu", escreve Capelo no Verão, acusando o CCB de ignorar sucessivos pedidos de esclarecimento."A resolução do contrato e o consequente encerramento do Museu do Design e suspensão das exposições temporárias indevidamente organizadas é a resposta lógica do protocolo a todos os actos de violação das suas cláusulas, resultado que será da total responsabilidade do Centro Cultural de Belém", lê-se na carta.O protocolo com Santana LopesO protocolo assinado por Capelo e Santana Lopes, a 18 de Dezembro, não deixa dúvidas quanto à resolução do acordo com o CCB. "Foi resolvido o protocolo celebrado com o Centro Cultural de Belém, que servia de base ao funcionamento do Museu do Design", lê-se no documento que, em seguida, justifica a súbita compra das colecções. "Existe urgência em celebrar o presente protocolo de forma a que a Phillips não continue a desenvolver diligências com museus internacionais."O mesmo documento estabelece o valor que a CML pagará pelas duas colecções num prazo de 15 anos - dez milhões de euros (com uma prestação inicial de 670 mil, e as restantes de 564 mil/ano), verba "significativamente inferior ao valor real".Mal o protocolo seja levado à Assembleia Municipal, estarão reunidas as condições para que a autarquia pague a Francisco Capelo a primeira tranche. A falta de pagamento de qualquer prestação por parte da CML, no prazo de um mês, "implica o imediato vencimento das restantes prestações e o dever do seu pagamento".Segundo o protocolo, caberá sempre à autarquia a orientação administrativa e financeira do espólio, ocupando o coleccionador a presidência do órgão que se encarregará da gestão cultural.

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