TV Regiões

Não é por acaso que a intenção manifestada pelo Governo de criar uma "TV Regiões" no universo da RTP tem andado arredada do debate público. Em contraponto, tem-se discutido até à exaustão a tão propalada entrega da produção de conteúdos da RTP2 à dita sociedade civil.Há, desde logo, uma justificação objectiva para que assim seja: a RTP2 opera na plataforma hertziana, assim chegando potencialmente a todos os telespectadores, enquanto a indefinida "TV Regiões" irá nascer no cabo, um suporte de difusão ainda muito limitado às zonas urbanas e à faixa litoral do país.No entanto, a principal razão para o alheamento dos nossos fazedores de opinião, dos nossos protagonistas políticos, económicos e culturais, e dos demais agentes da "sociedade civil" relativamente à "TV Regiões" radica em algo muito mais preocupante e, isso sim, verdadeiramente estrutural: o umbiguismo de quem pensa o país a partir de Lisboa, capital das elites e de quem alcança mais facilmente o espaço mediático (e sobre isto basta constatar que as gentes da "província" só acedem ao Herman SIC se estiverem dispostas a expor o seu lado mais ridículo, confrangedor ou esotérico, e só conseguem penetrar no alinhamento populista dos telejornais da TVI se forem portadoras de alguma desgraça, dando-se natural preferência a indigentes, desgraçados pela vida, mancos ou ceguinhos) e a incapacidade regional de projectar nacionalmente, de forma regular e contínua, os recursos humanos e as actividades meritórias que, apesar de tudo, ainda vão sobrevivendo na paisagem cultural e politicamente desertificada que está para além do Seixal, a sul, e de Vila Franca de Xira, a norte.Aliás, também não é por acaso que mais de 90 por cento dos nossos quadros superiores estão concentrados na zona de Lisboa. E aqui a razão é tão prosaica quanto a necessidade de ter emprego qualificado com remunerações compatíveis.Suponho, embora sem ter a certeza, que a ideia peregrina de um canal regional no cabo resulta da necessidade de fazer alguma coisa de diferente com a NTV, não tanto porque a NTV andou sempre longe da desejável sustentação económica e financeira (muito por culpa do incompreensível garrote comercial que lhe foi imposto à nascença e que impediu a arrecadação autónoma de receitas publicitárias), mas porque se afirmou paulatinamente como uma televisão do Porto, como "uma televisão com pronúncia".Sem querer discutir os méritos ou deméritos de tal estratégia de afirmação (com a qual não alinho integralmente, embora tenha de reconhecer que a NTV cresceu exponencialmente nas audiências a partir do momento em que passou a ostentar essa imagem de marca), parece-me evidente que os poderes de Lisboa consideram um luxo dispensável e regionalmente injusto dispor de um canal público, mesmo no cabo, excessivamente centrado nos acontecimentos e nos protagonistas do Porto e do Norte do país.Vai daí, há que alargar o conceito, metendo o Rossio na Betesga, ou seja, tudo o que é produção actual e potencial dos centros regionais e delegações da RTP na futura "TV Regiões", supostamente dando "voz nacional" a Bragança, à Guarda, a Castelo Branco, ao Algarve ou às regiões autónomas insulares.Se assim vier a ser, estaremos perante o pior serviço que foi prestado às regiões portuguesas (e, por arrastamento, ao país, que continua a banhar-se atavicamente nas águas do subdesenvolvimento na directa proporcionalidade da concentração macrocéfala em Lisboa), desde que António Guterres insistiu, com a preciosa ajuda do PS-Porto, no suicida mapa regional sufragado no referendo de 1998.Um canal como este corre sérios riscos de não ser carne nem peixe. Desde logo porque um espectador de Bragança (caso tenha a sorte de ter TV por cabo...) só procurará aqui a informação e os programas sobre a sua região. Ora, as supostas 24 horas de emissão serão para repartir por todos, o que faz adivinhar um alinhamento frenético e sem fio condutor na pior lógica dos insuportáveis tempos de antena.Mas a maior perversidade de um canal assim resultará no afastamento definitivo dos espaços televisivos nacionais dos acontecimentos e protagonistas que, tendo embora origem na "província", são efectivamente de natureza e âmbito nacional. E nem por isso um aluimento de asfalto na lisboeta Rua da Prata deixará de ser notícia nos principais serviços informativos da RTP1, SIC ou TVI. Vai uma aposta?

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