Torne-se perito

A propósito da suspensão da RTP-África na Guiné-Bissau

A suspensão das emissões da RTP-África na Guiné-Bissau, por despacho do secretário de Estado guineense da Comunicação Social, representa apenas uma das muitas medidas que as autoridades guineenses pretendem levar a cabo, no âmbito da sua cooperação com Portugal nesse domínio e, porventura, abre caminho para uma abordagem pública de uma questão que tem sido levantada nalguns círculos políticos da Guiné, desde o regime de Nino Vieira. Na altura, alguns "iluminados" da comunicação social guineense já vinham questionar a pertinência do prosseguimento da cooperação com Portugal nesse sector, chegando mesmo a afirmar que "as coisas não andavam realmente como se pretendia". Defendiam a necessidade de celebração de acordo com países mais interessados em injectar dinheiro nos órgãos de comunicação do Estado, devido à concorrência dos privados, tendo os olhos sempre postos em França. Aliás, a França foi um dos primeiros países que se ofereceu para instalar uma estação de televisão em território guineense, seguida de Cuba e Portugal, tendo sido este último, provavelmente por razões culturais e linguísticas, o país que acabou por beneficiar da decisão positiva dos governantes de então. Segundo informação que me foi transmitida por um conhecedor do dossier "Televisão da Guiné-Bissau", o acordo com Portugal consistia na instalação de uma televisão de carácter meramente informativo, sendo a programação assumida na íntegra pela parte portuguesa, através de programas da RTP e outros da televisão brasileira, nomeadamente telenovelas. Foi assim que a TV guineense foi equipada com os necessários meios técnicos para produzir a informação local, tendo iniciado as emissões experimentais em Setembro de 1990. Volvidos seis meses após a inauguração das emissões da Televisão Experimental da Guiné-Bissau (TVE-GB), os telespectadores começaram a exigir programas que abordassem a realidade do país. Foi-lhes feita a vontade, com o surgimento de alguns programas nacionais, produzidos com os escassos meios técnicos de que a TVE-GB dispunha. Na realidade, os equipamentos não conseguiam suportar tanta demanda e foram-se deteriorando. A esta realidade soma-se a falta de investimento por parte do Governo da Guiné-Bissau para a manutenção de um veículo de comunicação tão complexo quanto difícil de suportar por um país a braços com vários problemas considerados prioritários. Nos últimos anos, têm sido feitas algumas operações de cosmética a nível dos equipamentos obsoletos da TVGB, no quadro da cooperação com a RTP, mas nada que pudesse permitir um funcionamento normal e efectivo da estação televisiva guineense. A carência de meios materiais, agravada com a falta de manutenção dos equipamentos existentes, provocaram, por várias vezes, interrupções prolongadas das emissões da TVE-GB. Considerando a situação endémica da televisão e as dificuldades de a fazer funcionar efectivamente nas condições particularmente difíceis que o país atravessa, as autoridades guineenses vêm-se na necessidade de procurar uma saída para esse problema. Estão conscientes de que o sector privado está descapitalizado e logo nenhuma empresa está em condições de fazer publicidade na TV e que esta, por sua vez, não consegue sobreviver por mais tempo sem dinheiro para suportar os demais encargos. Por isso, o dinheiro, venha ele de onde vier, será sempre bem-vindo para os responsáveis da comunicação social do país. A decisão ora tomada pelo Governo surge numa altura em que é quase opinião unânime de que tudo está por se fazer na TVGB. E mais: sabe-se que em finais de Novembro passado, a França mostrou-se disposta a disponibilizar importantes somas para fazer funcionar, de facto, a TV pública guineense, condicionando esse apoio à promulgação dos estatutos da empresa, até ao final deste ano, pelo Presidente Kumba Ialá. Estou em crer que a decisão do Governo da Guiné-Bissau de suspender as actividades da RTP-África está revestida de contornos ainda pouco claros e põe de lado a versão segundo a qual esta medida estaria relacionada com a transmissão de informações atentatórias contra as instituições da República. Até porque ganha cada vez mais peso em Bissau o facto de os canais estrangeiros - entenda-se RTP e RDP-África -, pelo grande impacte que têm no país, relegarem os canais nacionais para o segundo plano, no que diz respeito a audiências, a par de acusações de não cumprimento, pela parte portuguesa, de algumas cláusulas do acordo que permitiu a difusão do canal português na Guiné-Bissau. Com a retransmissão das emissões da RTP e RDP África nalguns países africanos de língua portuguesa em sinal aberto (excepto Angola), os canais nacionais, quer públicos quer privados, pelas dificuldades que atravessam, simplesmente perderam as audiências para aqueles. Contudo, o público reconhece o papel importante que os canais portugueses têm na formação de uma opinião pública mais esclarecida e no fortalecimento da democracia nos seus países. Apesar disso, que ninguém se admire se novas medidas forem tomadas contra outros órgãos de comunicação social portugueses. É que na Guiné tudo é imprevisível.

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