Torne-se perito

Marc Dutroux: o "inimigo número um" da Bélgica

17 de Agosto de 1996: a Polícia belga desenterrou nos jardins de Marc Dutroux em Sars-la-Buissière, no Sul da Bélgica, os corpos de Julie Lejeune et Melissa Russo, duas meninas de 8 anos raptadas em Junho do ano anterior e mortas de fome em Fevereiro.Quatro dias antes, a polícia descobrira, vivas, numa outra casa de Dutroux, em Marcinelle, igualmente na região da Valónia, duas outras vítimas daquele que se tornou rapidamente no inimigo público número um: Sabine Dardenne, de 12 anos e Laetitia Delhez, de 14 anos, desaparecidas na semana anterior.Durante vários dias as escavadoras escrutinaram milímetro a milímetro os jardins de Dutroux, desempregado e vivendo dos subsídios da segurança social, e já condenado anteriormente por violação de menores mas sob liberdade condicional desde 1992, decretada pelo então ministro da Justiça contra a opinião dos psiquiatras.As buscas revelaram, a 3 de Setembro, os corpos de An Marchal, de 17 anos, e Eefje Lambrecks, de 19, raptadas exactamente um ano antes em Ostende, no Norte da Bélgica. Estas descobertas provocaram um profundo choque numa população que, durante um ano, viveu com as fotografias das crianças desaparecidas expostas em todos os lugares públicos acompanhando os apelos a informações sobre o seu paradeiro. Mas o luto nacional evoluiu rapidamente para uma profunda cólera à medida que foi sendo posta a nu a incompetência e a guerra das polícias - a "gendarmerie" e a polícia judiciária - sem a qual as quatro vítimas mortais de Dutroux poderiam ter sido encontradas vivas. Em 1995, por exemplo, um dos investigadores desconfiara que Dutroux seria o autor do rapto de Julie e Melissa, mas calou as suspeitas para manter de fora o corpo de polícia rival. A denúncia de um dos informadores da polícia de que Dutroux tinha construido esconderijos nas caves das suas casas para esconder e violar crianças, e fornecê-las a "clientes", foi por seu lado ignorada.Durante longas semanas, uma comissão de inquérito parlamentar, com sessões ao longo da noite, transmitidas em directo por um dos canais de televisão e com elevadas taxas de audiência, revelou a dimensão do desastre. As suas conclusões foram aterradoras: a incompetência da polícia e da justiça era tal que punha em causa a própria existência do Estado de direito. A indignação dos belgas levou-os a mobilizar-se a 20 de Outubro de 1996 numa "marcha branca" de 300 mil pessoas que desfilaram silenciosas pelas ruas de Bruxelas, com uma única exigência: mudança. A mensagem atingiu o alvo: depois de terem passado décadas a desfazer o estado no processo de federalização resultante das eternas disputas entre flamengos e valões, os responsáveis nacionais perceberam que ou operavam uma mudança profunda do sistema, ou o país entraria numa crise grave e sem precedentes.Seis anos depois da prisão de Dutroux, a instrução, com mais de 100 mil páginas, só há pouco ficou concluída, permitindo esperar que o julgamento possa finalmente desenrolar-se em 2003. A lentidão da instrução é explicada em grande parte pelo desacordo dos magistrados: o procurador do rei, Michel Bourlet, acredita, como uma grande parte dos belgas e das famílias das vítimas, que Dutroux era o fornecedor de uma "rede" de pedófilos, que incluiria personalidades importantes do país, convicção que não é partilhada pelo juiz de instrução, Jacques Langlois. Magistratura e polícia, fortemente criticadas pela sua incompetência foram de novo motivo da chacota nacional quando, em 1998, Dutroux consegiu evadir-se do palácio de Justiça de Neufchateau, onde se encontrava para consultar o seu processo, para ser descoberto algmas horas depois por um guarda florestal.Seis anos depois da explosão do escândalo Dutroux, os efeitos das reformas na Polícia e na Justiça, prometidas na altura da "marcha branca", continuam a fazer-se esperar, enquanto os culpados de erros e de incompetência escaparam a qualquer tipo de sanção.Catorze pessoas estão incriminadas neste caso, mas apenas três continuam presas: além de Marc Duroux, a sua mulher Michèle Martin e um cúmplice, Michel Lelièvre.

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