Um marco a assinalar 120 anos depois

Os marcos de correio de cor vermelha perfazem, neste Outono, 120 anos e foram uma inovação assinalável, em particular para os lisboetas. Anos mais tarde as vistosas caixas vermelhas de base preta eram ainda motivo inspirador, a a julgar pela canção "Marco do Correio", um tema de sucesso de Alberto Ribeiro, nos anos 50, que toda a gente trauteava assim: "Minha rua sossegada/ Tem na beira do passeio/ A coisa mais engraçada/ Que é o marco do correio./ Marco do Correio/ Deixa-me espreitar/ Deixa que eu não leio/ Nem vou divulgar/ Quantas cartas e desejos/ Mil respostas e perguntas/ Muitas promessas de beijos/ E muitas lágrimas juntas." Alberto Ribeiro tinha uma voz agradável, boa figura e além de cançonetista foi actor de cinema (contracenou com Amália em "Capas Negras").Mas os portugueses e os lisboetas em particular, que todos os dias passam por um marco de correio, talvez azul (muito jovens ainda, são os que guardam as cartas mais velozes) ou por um dos vermelhos (que recebem a correspondência dos que não têm pressa), não sabem que estes fortes e vistosos marcos fizeram furor por ocasião do São Martinho de 1882. Alguém imagina o prazer que era, então, as pessoas saírem de casa aperaltadas só para irem, ali à praceta, meter a carta no novo "marco postal"? Claro que por essa Europa fora já havia outros iguais, mas os primeiros que chegaram a Portugal foram fabricados na Alemanha. E lá estava o mostrador indicando as horas das tiragens. Que progresso!Em 1882 as senhoras usavam vestidos até aos pés e botins de meio salto com dez botões de lado. E homens elegantes como Ramalho Ortigão ou Eça de Queiroz, envergavam, por debaixo dos fatos, coletes cor de ervilha ou de alfazema. Flor na lapela, polainas sobre sapatos, nos dias mais frescos e chapéu de coco ou cartola, se era caso disso e, evidentemente, bengala de castão de prata. Paravam na Casa Havaneza, então com seis portas para o Chiado, para saber as últimas novidades e apreciar as senhoras elegantes e as caixeirinhas da Casa Ramiro Leão. Reinava então D. Luís (entre 1981 e 1889), que o humorista Rafael Bordalo Pinheiro caricaturava implacavelmente, bem como ao seu super-ministro das Obras Públicas, Fontes Pereira de Melo - "inimigo de estimação" de Bordalo, a tal ponto que criou um jornal a que chamou precisamente "António Maria", nome próprio do ministro, que em 1882 era presidente do Conselho de Ministros. António Maria Fontes Pereira de Melo, figura incontornável da segunda metade do século XIX português, que foi líder do Partido Regenerador, soube colocar Lisboa e o país muito mais perto da Europa. Fizeram-se pontes, abriram-se caminhos-de-ferro, montaram-se linhas de telégrafo e telefone (Portugal foi dos primeiros países a ter telefone, depois dos EUA), criaram-se fábricas num afã de industrialização.Os marcos postais vermelhos foram também um índice de progresso e, como novidade, mereceram notícias como esta, que saiu na revista "Occidente", de 11 de Novembro de 1882: "Marcos postais. Depois da adopção do selo postal [o primeiro foi emitido no reinado de D. Maria II, em 1852], para que esta inovação produzisse todas as vantagens que dela se deviam derivar foi preciso que se multiplicassem extraordinariamente os receptáculos de correspondência, postos à disposição do público. Quase coincide, pois, com a invenção do selo a grande extensão que se deu ao sistema das caixas do correio, com as quais se principiaram a dotar as cidades e vilas importantes. Isto que sucedeu em toda a parte, sucedeu também em Lisboa, e por toda a cidade se acham há muito colocados estes receptáculos de forma rectangular, de ferro ou madeira, aonde o público vai confiantemente deitar as suas correspondências. Ultimamente, porém, deram os jornais notícia de que algumas caixas do correio tinham sido violadas. Pouco tempo depois destes factos, via o público de Lisboa colocar em algumas praças uns marcos de ferro, pintados de vermelho, muito vistosos, com uma fenda horizontal na parte superior, por baixo da fenda uma porta fechando com segurança e por meio de chave, e um pequeno quadro indicando as horas da tiragem das correspondências (...)"Ao contrário do que se possa pensar, está a renascer agora nos jovens da Europa mais evoluída o gosto pela escrita, como alternativa ao correio electrónico. Escrevem cartas com caligrafias imaginativas, enviadas em papel reciclado, onde colam selos que, em certos países, têm sabores de frutos, conforme a tarifa. E assim se retoma o singelo prazer de deitar a carta em marcos de correio.

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