Torne-se perito

Neutrinos e raios X cósmicos valem Nobel da Física 2002

Três cientistas foram ontem galardoados com o Prémio Nobel da Física 2002 pelas contribuições pioneiras para a astrofísica, ao descobrirem novas maneiras de estudar o Sol, as estrelas e o próprio Universo. O norte-americano Raymond Davis Jr., de 87 anos, e o japonês Masatoshi Koshiba, de 76 anos, foram galardoados pela detecção de neutrinos, partículas atómicas muito esquivas, e vão receber metade dos dez milhões de coroas suecas (pouco mais de um milhão de euros). Riccardo Giacconi, norte-americano nascido em Itália há 71 anos, foi premiado pela detecção de raios X cósmicos fora do sistema solar e receberá a outra metade do prémio."Os laureados com o Nobel da Física deste ano serviram-se de componentes muito pequenos do Universo para aumentar a nossa compreensão do muito grande: o Sol, as estrelas, galáxias e supernovas. Estes novos conhecimentos mudaram a maneira como vemos o Universo", refere um comunicado da Real Academia das Ciências Sueca, que atribuiu o Nobel da Física.A existência dos neutrinos foi prevista nos anos 30, por Wolfgang Pauli, que também foi premiado com o Nobel da Física em 1945. Mas ainda levaria mais 25 anos até Frederick Reines, outro Nobel da Física, em 1995, provar a existência dos neutrinos. Tamanha dificuldade em detectá-los prende-se com o facto de os neutrinos - sem carga eléctrica e, ao que parece, com massa mas muito pouca - quase não interagirem com a matéria, incluindo o nosso corpo, que atravessam aos milhares de milhões por segundo sem darmos por isso. Vastas quantidades de neutrinos são formadas nas reacções nucleares no Sol, e nas outras estrelas, quando o hidrogénio se funde e é convertido em hélio. Mas apenas um neutrino em um bilião é impedido pela Terra de prosseguir o seu caminho.Raymond Davis, hoje professor emérito da Universidade de Pensilvânia, em Filadélfia, foi um dos poucos cientistas que quis provar a existência dos neutrinos solares. Em 1967, construiu o primeiro detector de neutrinos do mundo numa mina de ouro, no Dacota do Sul, nos Estados Unidos. Oito partículas por mêsUm tanque gigante cheio de 615 toneladas de um produto de limpeza colocado no fundo da mina, para evitar que outras partículas introduzissem ruído na experiência, esteve à caça de neutrinos até 1994. Nesses anos todos de experiência, o detector capturou, no total, 2000 neutrinos solares, a uma média de oito neutrinos por mês. Raymond Davis foi, assim, capaz de provar que energia do Sol provinha da fusão nuclear.Embora o físico tivesse apanhado neutrinos, não foram tantos como o previsto pelas teorias sobre a produção de energia pelo Sol: ou a compreensão dos processos no interior do Sol era incompleta ou alguns dos neutrinos desapareceram no caminho para a Terra. Durante a experiência de Raymond Davis, a equipa de Masatoshi Koshiba, da Universidade de Tóquio, no Japão, construiu outro detector numa mina japonesa, a que deu o nome Kamiokande. Consistia num enorme tanque cheio de água e confirmou os resultados de Raymond Davis, que apontavam para o Sol ser fonte de neutrinos. Depois, a 23 de Fevereiro de 1987, o detector Kamiokande foi atingido por uma avalancha de neutrinos oriundos de uma supernova, uma grande estrela que explode - a 1987A, situada na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia vizinha da nossa. Se da explosão de uma supernova se forma uma estrela de neutrões, a grande maioria da energia libertada resultará na emissão de neutrinos. O facto é que o Kamiokande capturou 12 neutrinos, entre os 10.000.000.000.000.000 que passaram pelo detector japonês.Nos últimos anos tem havido provas cada vez mais fortes de que os neutrinos solares sofrem oscilações na viagem para a Terra, e isso resolverá um dos enigmas em torno dos neutrinos.De facto, há mais de 30 anos que os cientistas andavam à procura de um tipo de neutrinos solares - os neutrinos do electrão -, porque deveriam chegar à Terra mais destas partículas do que as que são detectadas. Se as teorias sobre a produção de energia pelo Sol e pelas outras estrelas dizem que neutrinos do electrão são produzidos em quantidades copiosas, então onde é que eles estão? Experiências recentes no detector Super Kamiokande, um detector ainda maior do o que o antecessor e também foi construído por Koshiba, e no Observatório de Neutrinos de Sudbury, na província de Ontário, Canadá, confirmaram que os neutrinos solares sofrem realmente transformações. Significa isto que os neutrinos do electrão disfarçam-se de outros dois tipos de neutrinos no caminho para a Terra - de neutrino do muão e de neutrino do tau. O que explica por que Raymond Davis não detectou tantos neutrinos como esperava.Mas significa ainda que os neutrinos têm de ter massa, pelo menos alguma. A ser mesmo assim, põe-se em causa o modelo padrão da física de partículas, a teoria básica da física que descreve a organização de um conjunto de partículas elementares e das forças existentes entre elas. Este modelo terá de ser modificado. O papel dos neutrinos no Universo será também de grande importância, pois, mesmo tendo pouca massa, contribuem para a matéria do Universo e para o que lhe acontecerá: expandir-se-á para sempre ou, a certa altura, a força de gravidade da matéria irá contrariar a expansão e a regredir num Big Bang ao contrário. Os resultados preliminares têm concluído, porém, que a pouca massa dos neutrinos não influenciaria o destino do Universo."As descobertas de Davis e Koshiba e os instrumentos que desenvolveram fundou um novo campo, a astronomia dos neutrinos, que é de grande importância para a física de partículas, a astrofísica e a cosmologia", sublinha o comunicado.

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