Memórias de Manuel Baptista

Uma colecção de arte, reunida por um artista ao longo da sua vida de trabalho, ajuda-nos a perceber o artista e o meio artístico em que se movimentou.

Manuel Baptista é um artista com vasta carreira própria, formador de artistas e ainda promotor de carreiras alheias. Promotor de carreiras porque, desde que nos anos 90, quando a Câmara Municipal de Faro lhe atribuiu a responsabilidade de gestão do conjunto de galerias da cidade velha (a Galeria Trem e a Galeria Arco), ele por lá fez passar um vastíssimo leque de nomes/obras - numa lógica abrangente que ajuda a desvendar parte dos critérios que utiliza para a recolha da sua colecção pessoal. Formador, na medida em que de 1964 a 1972 foi professor na ESBAL, contactando com parte significativa da geração que a partir dos anos 60/70 protagonizaria a arte nacional. Finalmente, foi gestor de uma carreira sólida embora discreta iniciada no momento crucial da passagem dos anos 50 para 60, no contexto de uma geração especial, integrando as primeiras emigrações da arte portuguesa na segunda metade do século passado. São destas duas primeiras fases da vida que se reúnem os momentos mais significativos da exposição que agora se apresenta. Não as obras acabadas, de série, estáveis, mas as experimentações, os pequenos formatos, as peças trocadas entre colegas, aquilo que muitas vezes se designa por "gaveta do artista" e onde se podem encontrar as obras que não resultam de uma relação exterior mas de uma vivência estreita, de tertúlia, de trabalho escolar, de atelier, intra-geracional. É esta realidade, a do artista coleccionador e a dos sentidos sociais da sua colecção, que Eglantine Monteiro analisa, com uma propriedade que a sua formação de antropóloga enriquece. Segue-se um texto simplificador da realidade artística propriamente dita que pode ser lido à luz de um desejado didactismo e formação de grandes públicos. No campo da memória documental da vida de Baptista temos ainda uma signifitiva introdução, incluindo fotos, manuscritos, esbocetos, colagens, cartazes capazes de nos devolverem a memória de uns anos politicamente difíceis e socialmente estimulantes. A exposição, propriamente dita - que é muito prejudicada pela desadequação dos espaços (de tal modo que o seu capítulo final não pode mesmo ser apresentado) e onde pontuam "demasiados" múltiplos - inicia-se numa vasta sala com um tema também excessivamente vasto: "Paissagem. Corpo. Narrativas". E, à frente, com "Poesia Visual & Abstracção" (sem que devamos fazer depender a sequência de uma do desenvolvimento da outra). Dever-se-ia seguir o capítulo em falta: "Crítica Social. Máquina. Vídeo-arte", cuja associação de termos envolve critérios diversificados de abordagem. As obras deste grupo estão presentes no catálogo (de frágil produção gráfica e tipográfica) e merecem uma introdução cronologicamente minuciosa das manifestações artísticas dos anos 70 (pré e pós revolução) da autoria de Paula Pinto.Sigam pois os visitantes o itinerário e as surpresas da montagem (na primeira grande sala) ou o encadeamento lógico e formalmente eficaz que as obras adquirem nas das seguintes acrescentado pela pontuação de certas obras da autoria do próprio coleccionador. A interpretação histórica enriquece-se com algumas dessas surpresas de relação (vejamos o ar de época que liga peças de artistas criados e nascidos no mesmo período estético) ou reconsideração individual (as peças mais antigas de Fátima Vaz, por exemplo), para além de se esclarecer em trabalhos maiores de artistas maiores ou menos considerados (Eduardo Luiz e Menez ou Henrique Manuel, respectivamente) ou obras de atelier vindos de nomes cujos parâmetros históricos estão já (ou nem tanto) estabelecidos. O conjunto das obras agora expostas estava destinado a ser o eixo de desenvolvimento do Museu de Arte Contemporânea de Faro, contíguo ao actual Museu Municipal e que tem já espaço escolhido e projecto aprovado. Uma exposição da retrospectiva da própria obra de Manuel Baptista chegou ainda a ser falada, mas a disponibilização de espaços no edifício antigo falhou mais uma vez. Mas a situação de Manuel Baptista como director da Galeria Trem (na Arco encontra-se em depósito parte de uma outra das suas paixões coleccionistas: brinquedos e postais antigos!) está suspensa por alegadas dificuldades orçamentais e que não se sabe se vai ser ou em que termos vai ser retomada.

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