Papuásia-Nova Guiné: o nascimento de uma nação

Julho de 1974. A poucos meses da independência, a Papuásia-Nova Guiné, um mosaico de tribos, procura encontrar uma identidade. Mas é difícil. "É uma coisa rara poder viver um momento assim tão privilegiado: o nascimento de uma nação", escreveu Jacques Decornoy. Homem de cultura e de convicções, Jacques Decornoy, falecido em Dezembro de 1996, com 59 anos, dirigiu o Serviço de Estrangeiros, antes de se tornar chefe de redacção do "Le Monde" e depois do "Le Monde Diplomatique".Aqui há uns anos, na ilha de Nova Hanôver, alguém teve uma iniciativa curiosa: os habitantes reuniram uma certa soma, bastante significativa para os seus meios, e decidiram comprar... o Presidente Lyndon B. Johnson! Ele viria viver com eles e poderia trazer imensas riquezas da América. Hoje, os habitantes da ilha ainda não perderam completamente as esperanças de se apropriarem, de uma maneira ou de outra, da opulência dos brancos. Será que estão a considerar a hipótese de comprar Richard Nixon?Este fenómeno ancestral está largamente representado na história da Papuásia-Nova Guiné. Tem um nome inglês - "cargo cult", ou culto da carga -, que se refere a carregamentos de produtos dos brancos. É um fenómeno milenarista, que volta e meia surge em certos pontos do país, com algumas variantes. É sempre uma manifestação popular de rejeição, através da "apropriação" do que é branco. Se a presença estrangeira só muito recentemente produziu um movimento nacionalista, mas não revolucionário, o anticolonialismo sempre se manifestou, graças ao "cargo cult". A administração britânica recolheu muitos exemplos disso, como os dos pregadores de Tokeriu, na aldeia de Gabagabuna, no Sudeste da Papuásia, que a partir de 1893 pregavam, e com sucesso, a recusa de servirem como mercadorias dos "brancos"; a seguir a essa recusa chegaria a idade do ouro: viver-se-ia muito bem sem nada fazer. Durante a maior parte do tempo que durou este culto, os pregadores tiveram por objectivo apoderarem-se, de formas mágicas, das riquezas estrangeiras; esperava-se que surgissem fantásticos navios ou aviões, carregados dos bens cobiçados dos brancos. A II Guerra Mundial reforçou essas esperanças: não seriam as enormes quantidades de materiais desembarcadas pelo exército norte-americano os carregamentos prometidos pelos chefes locais? Por vezes, os australianos associaram responsáveis do movimento "cargoista" à administração local, que começava a despontar. Nos conselhos locais e nas assembleias estavam representados fiéis do culto. Aliás, o apetite dos aldeões pela instrução moderna não pode também ser explicado pelo desejo de captar o saber dos brancos?É este o trauma provocado pelo colonialismo. A Papuásia-Nova Guiné, ao entrar na fase da independência, verá sem dúvida desaparecer o culto, tal como se mantinha há perto de cem anos. Mas a transição não será feita sem problemas. Os funcionários locais recentemente promovidos estão tão habituados a ver os australianos a falar e a agir por eles que, muitas vezes, se mostram aterrorizados com a ideia de deixar de ter um branco que "sabe" e que "pode".Há casos de verdadeiras depressões nervosas, de graves preocupações. Uma espécie de medo do vazio. A isto se junta, ao nível da aldeia, o recente encontro entre os ensinamentos dos brancos e as religiões propagadas pelos missionários; alguns cérebros estão a transbordar de uma verdadeira sopa cultural, disse-nos um especialista nestes problemas: "Ao primeiro contacto, pensa-se que estamos perante doenças mentais. Mas não! Estamos apenas em presença de indivíduos que estão a furtar-se, por razões diversas, às normas aceites pelos grupos sociais. As pessoas desatam a falar em Deus, exteriorizam as frustrações. Quando se pergunta aos jovens o que é que os motiva para estudarem, respondem-nos com o interesse nacional, mas não se enganem: sonham é com sucessos materiais. Estamos em pleno culto do 'cargo'."A fase a seguir à independência será provavelmente marcada por algumas "nódoas" no domínio da administração. É de esperar, todavia, que os "conselheiros" estrangeiros sejam cada vez menos, apesar de se registarem algumas trafulhices. A Papuásia-Nova Guiné deve aprender a ter confiança, a lidar com os seus problemas. Este resultado só pode ser obtido se a referência, em todos os sectores, deixar de ser a administração australiana. É preciso que se desembaracem da mentalidade do "carregamento branco", que implica deixar de macaquear o estrangeiro e aprender a dominar algumas técnicas, de descobrir... um "carregamento negro".Em todo o lado, desde o momento em que os brancos surgiram pela primeira vez, vindos de um caminho aberto através da selva, que os aldeões passaram a acreditar que viam regressar antepassados mortos: o antigo tinha partido numa mítica cruzada para o estrangeiro e regressava com uma cara pálida. A partir de agora, se o antepassado voltar, deverá trazer um rosto castanho e a cabeça coroada pela grande bola de cabelos crespos. O culto tradicional poderá fazer perder terreno, durante uns tempos, às patrulhas e aos missionários, mas isso será temporário. Para uma nova época há uma nova estratégia.Michel Somare, o primeiro-ministro, quer ao mesmo tempo preservar a unidade do país e respeitar as suas particularidades. Portanto, nada está decidido à partida nos gabinetes de Port-Moresby: são os cidadãos que têm de definir o seu próprio papel na nação! Para começar, os habitantes de Bougainville, no extremo oriental. Um povo negro como a graxa, que pertence ao arquipélago das Ilhas Salomão, cortado em dois pelas partilhas do bolo colonial: Bougainville faz parte da Nova Guiné, mas o Sul permanece britânico. As famílias vão ficar separadas, os familiares vão porém poder visitar-se livremente e de forma regular, ignorando as fronteiras; não se vislumbram grandes tendências para uma reunificação com as Salomão. Bougainville é ainda (sobretudo?) o local de uma das maiores minas de cobre do mundo. Há muito com que tentar os independentistas menos generosos... Michel Somare move-se com muita delicadeza. Está a colocar eminentes naturais de Bougainville nos mais altos cargos da nação (um padre local, o reverendo Momis, está a desempenhar um papel de relevo na difícil redacção da Constituição) e diz aos seus compatriotas da ilha distante: "Desenrasquem-se. Constituam a vossa própria Assembleia Constituinte. Ponham de pé as vossas instituições."Partamos de uma ilha para outra, para a Nova Bretanha, que é em forma de corno e por isso o seu nome original era Península da Gazela. É a terra dos tolais, um povo que se dedicou entusiasticamente às trocas (usando a sua célebre moeda constituída por colares de conchas) desde o primeiro contacto com os brancos. A orientação natural para o mar, a riqueza do solo (coberto por uma espessa camada vulcânica), o ardor em defender a terra natal dos avanços teutónicos e australianos, tudo isto acabou por produzir homens que sabem reivindicar os seus direitos e organizar-se. É um povo de aldeões comerciantes.Isso sente-se bem no mercado de Rabaul, a capital da ilha, cercada por vulcões adormecidos e aninhada em torno de uma baía que é, ela própria, uma antiga cratera. Vê-se ainda melhor quanto mais se avança para o interior, onde os coqueiros e cacaueiros surgem bem alinhados. Em Rabaul também sabem como manifestar-se: em 1929, houve uma dura greve numa plantação, considerada expressão de um "protonacionalismo" da Papuásia-Nova Guiné, protagonizado por trabalhadores locais e por outros vindos da Nova Guiné. Na década de 60, os tolais recusaram-se a participar na constituição de um conselho local, porque afirmavam que este iria favorecer os plantadores. Fundaram a sua própria associação: Mataugan (a palavra significa "alerta"), que de facto administra a região. O seu presidente, com a boca vermelha de betel, não faz má cara quando entramos na grande palhota em que nos recebe. Ainda assim, com homens como este antigo trabalhador empregado pelas missões religiosas, ou com líderes políticos da estirpe de John Kaputin, este pequeno povo de cerca de 700 mil almas não costuma deixar que lhe imponham ideias vindas do exterior: gerem a sua própria economia e cobram os seus impostos.Compram também a preço de ouro os vastos terrenos que ainda estão nas mãos dos colonos australianos. Porquê dar-se a tamanha despesa, se no século XIX os clãs tolais foram espoliados pelos alemães e depois pelos australianos? E agora que os trabalhadores das plantações recebem apenas seis dólares australianos (em 1974, pouco mais de 40 francos) por semana? O povo tolai, impregnado de uma mentalidade capitalista, envia para Port-Moresby representantes conservadores, bastante inclinados a "compreender" os investidores estrangeiros e o sistema de educação australiano. Somare está decidido a participar neste jogo e a permitir aos tolais que mantenham uma autonomia relativa.Dando um grande salto, chegamos às "highlands", as montanhas, o coração da Nova Guiné. Facto extraordinário: uma estrada, claro que poeirenta mas uma estrada, de algumas dezenas de quilómetros, que permite o avanço de um veículo. Ao longo desta estrada, que sobe de Lae até Goroka, há missões, lugarejos de cabanas e miseráveis lojecas que propõem aos seus clientes caixas de conservas australianas - do sacrossanto "corned beef". Aqui e ali, algumas experiências de florestação; obras hidroeléctricas; alguns rebanhos de bovídeos (finalmente!). Nas encostas, quadrados de terreno cultivados: o "taro", o "yam", essas grandes raízes que enchem o estômago sem serem verdadeiramente nutritivas. Eis-nos portanto chegados à Nova Guiné "primitiva"?Todos estes camiões que vemos não são apenas australianos; os homens das terras altas sabem, quando é preciso, transformar-se em empresários. Formam também a maior concentração populacional do arquipélago: muito perto de um milhão de almas. Estes homens fazem medo aos povos da planície. O seu "conservadorismo" foi descrito com inveja pelos australianos, que gostam eles próprios de manter o "statu quo". Aqui, as particularidades do local saltam aos olhos: todos os anos, cerca de 50 mil membros das tribos reúnem-se para o grande festival de Mount-Hagen ou de Goroka, dançam e cantam, com as plumas de aves-do-paraíso a ondular ao vento. Estas foram as populações mais duramente conquistadas pelos missionários e pelos "patrol officers", as patrulhas militares australianas, que utilizaram métodos nem melhores nem piores que os outros colonizadores para recolher, quando era preciso, mão-de-obra forçada para as plantações, surgindo com armas de fogo e aviões capazes de aterrar na selva, ou seja, o "cargo" e todas as esperanças que neste culto eram depositadas.Saltemos agora a linha a direito traçada pelas partilhas coloniais entre a Nova Guiné e a Papuásia. Em Port-Moresby, a jovem e sedutora Joséphine Abbaijah declara-nos que a Papuásia não deve passar do colonialismo australiano para o colonialismo da Nova Guiné; deve ser independente. Mas não conseguimos saber como pretendia ela que esse objectivo fosse alcançado. Joséphine é deputada; vai para a assembleia com uma espécie de "t-shirt" que tem escrita nas costas, em letras enormes, a palavra "Papua". O seu programa político é nebuloso, mas ela tem uma grande audiência, em especial na zona centro da região. Há o medo de ver os "primitivos" da montanha a invadir as quintas costeiras, ainda que poucas estradas sejam construídas. Enquanto se está neste impasse, a maioria dos responsáveis da Papuásia participa no jogo da união na administração e no exército, mas bastariam uns poucos erros tácticos ou algumas provocações para que Somare se visse em apuros. Seria de admirar que, neste campo, ele fosse mais intransigente que noutros. Um certo grau de autonomia local poderá permitir esvaziar um eventual descontentamento.As ilhas do Almirantado, no Grande Norte, e as Trobriand, no Leste, estão também condenadas a "viver a sua própria vida". O território é de tal forma disperso geográfica e culturalmente que a solução escolhida parece ser a melhor. Como seria possível impor um centralismo de mão de ferro? Nenhuma das etnias é maioritária, nem suficientemente numerosa, para ditar a sua vontade. A Papuásia-Nova Guiné é ainda um mosaico. É prudente não dar passadas demasiado pesadas neste terreno. Somare parece ter um passo ligeiro. Melhor ainda, parece estar sinceramente desejoso de ajudar o seu povo a encontrar um modo de viver que tenha menos a ver com o "cargo" dos deuses e dos brancos do que com uma forma original de relações humanas.

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