Flaming Lips, eles são os robôs

Regressam com o 11º álbum de originais, três anos depois do milagroso "The Soft Bulletin". Não vêm sós, pois a seu lado caminha uma estranha infantaria de robôs cor-de-rosa disponíveis para amar. A entrevista a propósito de "Yoshimi Battles The Pink Robots", o novo álbum do genial trio de Oklahoma, EUA.

Fundados no início dos anos 80, os Flaming Lips demoraram perto de duas décadas a saírem da concha do anonimato para alargarem o seu campo de influências a um público mais vasto que, desde então, os tem recebido como uma das originais bandas rock norte-americanas. Foi em 1999, ano da edição de "The Soft Bulletin", considerado por muitos como um dos melhores álbuns dos anos 90, que Wayne Coyne, Mike Ivins e Steven Drozd deixaram para trás o experimentalismo radical que caracterizou os primeiros trabalhos para enveredarem por uma postura mais pop que teve como efeito a democratização do seu som, absolutamente único e admirável na profundidade emocional que abarca. É, por isso, enorme a expectativa que rodeia o novo álbum do trio de Oklahoma, "Yoshimi Battles The Pink Robots". Wayne Coyne, o excêntrico líder dos Lips, antecipa-o em entrevista ao Y. O ambiente do novo disco assemelha-se ao tipo de sonoridades que experimentaram em "The Soft Bulletin", embora com uma vertente mais electrónica. O que mudou desde então?É curioso que diga isso, porque a maioria das pessoas diz que o novo álbum é muito diferente, o que não é verdade. O que aconteceu foi que quando acabámos "Soft Bulletin" começámos a interessar-nos por tudo aquilo que podemos fazer com computadores, com instrumentos reais misturados com instrumentos virtuais, misturados com coisas que nunca sequer existiram - e encontrando no meio dessa baralhada um fio condutor, uma série de novos sons não necessariamente gerados por instrumentos musicais. Exacto. Para mim devia ser sempre assim com a música. Há músicos que rejeitam os computadores porque gostam do humanismo, da paixão, da emoção que arrancam aos instrumentos ditos reais. Mas para mim tudo isso é subjectivo. É apenas outra forma de deitar as ideias cá para fora, seja num computador, seja num piano. As coisas são o que fizermos delas, e é por isso que não tenho limites no que faço e quero acreditar que há pessoas que neste momento inventam novos brinquedos para daqui a uns tempos nos divertirmos com eles. "Pink Robots" é um álbum conceptual, no sentido em que é unido pela estranha saga de uma personagem fictícia que enfrenta robôs inimigos?No início do álbum sentimos que há uma história qualquer que nos estão a impingir, a batalha de uma miúda japonesa completamente louca contra maléficas máquinas cor-de-rosa. Os robôs são essas supermáquinas hiperdesenvolvidas e meticulosamente desenhadas, mas com a particularidade de terem emoções. E um dos robôs decide enfrentar a rapariga Yoshimi numa luta de gladiadores, mas esquece-se que tem emoções e apaixona-se por ela. Por isso já não quer matá-la, e em vez decide suicidar-se. Contudo, a audiência que assiste ao combate pensa que a rapariga é tão esperta e corajosa que foi capaz de matar o robô. Mas a Yoshimi é a única que sabe que o robô se suicidou e, em vez de querer matá-lo, admira-o e pensa que ele é melhor do que ela, porque foi capaz de se sacrificar e de mostrar misericórdia em virtude da sua capacidade para amar. O que nos traz de novo a "Soft Bulletin", à exploração de uma série de temas existenciais, da condição humana, como o amor, a morte, a moral...Sim. Talvez seja essa a moral da história, o poder da misericórdia e do perdão. O que é a moral, o que é a vida, o que é morte, a admiração superior pela moralidade desta máquina que é melhor que os humanos, que deu aos humanos com que se inspirarem... Yoshimi tem algo a ver com a Yoshimi das Boredoms, que colabora convosco numa série de faixas do álbum?O facto de usarmos o mesmo nome foi coincidência, porque quando estávamos a escolher o título do disco não sabíamos sequer se íamos usar as faixas que fizemos com ela. Mas dei comigo a cantar uma rima patética, "Oh Yoshimi, they don't believe me" [canta com voz esganiçada], e soou-me bem. Não é necessariamente a ela que me refiro, mas aconteceu que estava a pensar nas faixas que fizemos juntos quando esta canção ridícula me veio há cabeça. Pode ser qualquer rapariga japonesa. A primeira parte do álbum está lirica e musicalmente próxima dos ambientes do desenho animado, quase como banda sonora para um "cartoon" bizarro que ainda não foi inventado. Foi intencional? Foi. Quando começámos o novo álbum escrevemos três ou quatro canções doentes, depressivas, como "All we have is now" ou "It's summertime". E a dada altura pensei que um pouco de alívio podia fazer-nos bem, o facto de termos algumas canções leves e "cartoonish" ao lado de outras pesadas e filosóficas.Esse lado é reforçado pelo facto de usarem a electrónica de forma lúdica e muito experimental, à imagem de bandas como os Mouse on Mars. Conhece-os?Adoro os Mouse on Mars! Conheçe o "Iaora Tahiti"? Que álbum, meu Deus! Durante a digressão do "Soft Bulletin" passávamos o "Iaora Tahiti" antes de entrarmos em palco. Fiquei impressionado - novos sons desconhecidos, o que é que tudo aquilo significa? É isso que me estimula, essa capacidade de inventar novas coisas que possam ser usadas como veículos para expressar emoções que ainda não conhecemos. O álbum volta a ser produzido por Dave Fridmann, responsável por alguns dos mais notáveis álbuns na área do rock dos últimos anos. É o quarto elemento da banda?Quando o Dave fundou o seu estúdio, em 1996, fomos os primeiros a gravar lá. Fizemos o "Zaireeka", aqueles quatro álbuns preparados para serem tocados em simultâneo. Desde então ele transformou aquilo num espaço multimilionário onde nada falta, das últimas novidades da electrónica aos dispositivos analógicos que possamos imaginar. Está no topo daquilo que a tecnologia e a evolução da música e das ideias pode estar. Trabalho com ele desde 1988, há uma complementaridade entre nós que é quase milagrosa. E depois, os álbuns que ele produziu para os Mogwai, Sparklehorse, Mercury Rev, os nossos discos, há algo de comum na forma com todos estes álbuns soam, e essa coisa é o Dave Fridmann. Tudo o que neles é bom é o Dave, tudo o que é mau é a banda. "The Soft Bulletin" foi considerado por muitos o melhor álbum de 1999. Para uma banda que se habituou a viver nas margens durante tanto tempo, o que é que isso significou? Foi maravilhoso. A indústria não está certa ou errada, joga com o que é popular, e está bem assim. Se vendemos muitos discos as pessoas celebram-nos, e se não vendemos paciência. Se fomos demasiado pequenos durante demasiado tempo foi por nossa culpa. Nunca perseguimos um tipo de música mais comercial, e mesmo que tentássemos duvido que o conseguíssemos. Por isso, quando "Soft Bulletin" saiu e as pessoas começaram a dizer aquelas coisas ficámos sensibilizados. Mas ao mesmo tempo sabemos que quando fazemos um disco o público transforma-o noutra coisa qualquer. Mesmo que possa dizer que fiz o "Soft Bulletin", ele é sobretudo o que as pessoas fizeram dele. Eu não sou óptimo, é a música que é óptima e não tenho qualquer controlo sobre isso. A música é uma daquelas criações metafísicas tão poderosas que ninguém consegue explicar porque é que representa tanto para as pessoas. Os pássaros cantam, o vento sopra e há coisas na natureza que podemos dizer que são musicais. Mas a forma de combinar notas e harmonias é tão pouco natural que não sei porque é que nos dá tanto prazer. "Soft Bulletin" e "Pink Robots" são os vossos discos mais acessíveis. A que é que se deve esta mudança?Chegámos até onde podemos chegar. Sempre que fizemos álbuns sabíamos que estávamos a ser bizarros, mas havia sempre alturas em que pensávamos que queríamos ser mais normais. Simplesmente não tínhamos a capacidade, não tínhamos o Dave Fridmann. Por mais que tentássemos nunca chegávamos lá. Tudo o que fazíamos soava a algo de perturbador. Hoje ainda o podemos ser, se quisermos, mas se tivermos sorte também podemos ser educados e belos. Está a realizar um filme. "Christmas on Mars". De que é que se trata?Será na sua maioria a preto e branco, feito pelos Flaming Lips, onde aparecemos também como actores e assinamos a banda sonora. A história fala da primeira colónia de astronautas-cientistas em Marte. Estão lá há um ano e estão a celebrar o seu primeiro Natal. Como são cientistas, não acreditam, não têm fé nem esperança, são frios e realistas, o que os fez perder a esperança na humanidade de que também fazem parte. Portanto, deparam-se com aquilo a que chamamos no filme a realidade cósmica das suas vidas - serem insignificantes quando comparadas com a imensidão do universo. E assim sentem-se desencorajados e têm tendências suicidas. A dada altura um "alien" aterra em Marte - eu sou o alien. E faz coisas mágicas que levam os cientistas a acreditarem. Eles não sabem porquê, mas acreditam no desconhecido. O final é feliz e tudo acaba bem. Duvido. O melhor que podemos esperar é colocá-lo num DVD que prepararamos para a Warner, e mostrá-lo em alguns clubes onde possamos aparecer para falar do filme e da música. Em meados de 2003, em princípio. "Yoshimi Battles The Pink Robots" estará disponível a partir de 15 de Julho

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