nome de código Bullet

Vladimir é um espião russo treinado pelo KGB que tem como missão registar movimentações numa base da NATO. Armando Teixeira é o criador de alguma da mais estimulante música feita em Portugal. Nome de código de ambos: Bullet.

O nome dele é Teixeira, Armando Teixeira. Mas ao longo dos anos tem sido também o principal rosto de projectos como Ik Mux, Bizarra Locomotiva, Boris Ex-Machina, Balla e, agora, Bullet. Durante anos fez também parte dos Da Weasel, grupo que abandonou o ano passado, e ainda em 2002 vai vestir a pele de Knock-Knock, um projecto de colaboração com o desenhador de BD António Jorge Gonçalves. Para já é Bullet e "The Lost Tapes" o título do álbum de estreia do novo projecto. Mas é também Vladimir Orlov, o principal protagonista da história imaginária que atribui sentido ao disco. Um espião russo, treinado pelo KGB, que tem como nome de código Bullet. A sua missão é registar movimentações numa base naval da NATO, situada na Turquia, em plena guerra fria. Rui Miguel Abreu foi quem imaginou a trama narrativa de "The Lost Tapes". "Foi como criar a banda-sonora para um filme. Só que em vez de um filme e imagens, tínhamos um guião e palavras", afirma Abreu. Por sua vez, Armando Teixeira, inspirado pelos motivos da história, imaginou a música, inspirado em alguns dos mandamentos rítmicos do hip-hop ou do dub e nas colorações vivas do jazz, do funk e do easy-listening. O que daí nasce é um dos discos portugueses mais consistentes dos últimos tempos. A conversa com Armando "Bullet" Teixeira.Balla e Bullet. Para além de ser o mentor de ambos os projectos, existe alguma ligação entre os dois? Existe qualquer coisa, sem dúvida, ambora não consiga identificar com precisão essa ligação. Por exemplo, em termos de sonoridade, alguns temas de Bullet, se tivessem sido desenvolvidos como canções, podiam ser dos Balla. Algum do material de Bullet tem já um ano, enquanto o restante foi composto há cerca de um mês. Ou seja, alguns temas de Bullet nasceram quando estava a criar o álbum dos Balla. Como é que se processou a triagem? Os temas instrumentais foram colocados de lado para fazerem parte do álbum de Bullet?Não, até porque tenho temas instrumentais que também não se adequam à ideia que está por trás de Bullet. Por isso, optei pelos temas que, de alguma forma, tinham a ver com a história que estávamos a desenvolver. Faixas que pudessem justificar a narrativa, atribuir-lhe sentido. Por outro lado, em termos sonoros, optei pelos temas que tinham um cariz mais hip-hop. Como é que surgiu a ideia de criar um disco a partir de um guião pré-definido, com uma personagem e uma história por trás? A ideia foi do Rui Miguel Abreu, foi ele que me convenceu. Nunca tinha pensado em criar música dessa forma, mas agradou-me o desafio. Por exemplo, a segunda faixa do álbum contém elementos de hip-hop, electrónica e apontamentos americanos que não estão lá por acaso. Estão lá para dar essa ideia muito precisa de que estamos a ouvir músicos americanos influenciados pelos blues e soul. Esse tema é um exemplo de uma faixa criada com um objectivo concreto, para dar uma certa atmosfera. Quer dizer então que todos os temas foram criados tendo em atenção o fio narrativo da história? A maior parte, sim. A escolha dos "samples", a forma como toco os teclados, as sonoridades que procuro, tudo isso define um ambiente que nos transporta para uma determinada época. E isso não é casual, foi procurado. De qualquer maneira, cerca de 30 por cento dos temas já estavam feitos porque se encaixavam no conceito. Mas mesmos esses foram retrabalhados e reavaliados. Existiu um processo de adptação dos temas à história, embora por vezes essa adequação fosse inconsciente. O guião existe na minha cabeça e do Rui, mas quem tiver de fora do processo provavelmente não o vai reconhecer da mesma forma. Na música dos Balla já existiam referências ao mundo das bandas-sonoras para filmes policiais. Foi isso que o atraiu no projecto Bullet?Sim. Na música que faço esse tipo de ambientes está sempre presente, é o que gosto, é o que oiço. A história do Rui foi importante porque me obrigou a fazer. Não tinha desculpas. Criou um pretexto para que organizasse sons com objectivos precisos. Em relação à influência de filmes "negros" e policiais, parece-que que ela é óbvia. Os temas são muito visuais e fácilmente identificáveis no espaço. Alguns deles reflectem influências indianas ou italianas - da Riviera italiana - e isso transporta-nos para essa ideia de viagem da personagem. Se existe algo que é comum aos seus diferentes projectos - Balla, Bizarra Locomotiva, Boris Ex-Machina, Da Weasel - é uma certa ideia de construção de canção. Bullet é mais um projecto sónico, instrumental. É verdade, mas muitos dos temas de Bullet são canções sem voz. Quase todos têm "refrão" e não são servidos por estruturas muito complexas em termos de desenvolvimento. Gosto muito de sentir o desenrolar de uma tema, deixá-lo fluir, e Bullet tem isso. O facto de não ter que obedecer ao padrão clássico da canção pop deu-lhe maior liberdade ou, pelo contrário, sentiu-se perdido?Os resultados só são bons, falemos ou não de canções, se existir inspiração. Isso é o mais importante. Mas o facto de não ter o objectivo de fazer canções deu-me maior liberdade. Não estive tão dependente de eventuais contrangimentos. Nos grupos por onde passou, depois de feito o disco, existia o objectivo de o apresentar ao vivo com uma banda. "The Lost Tapes" é mais um disco de produtor. Estamos a pensar apresentar este disco com manipulação de vídeo em tempo real. Não faz sentido apresentar apenas um disco ao vivo quando se tem uma banda. Existe um circuito paralelo, aos festivais e às salas de concerto das bandas, que nos interessa explorar. Sempre tive algum preconceito em estar em cima do palco cercado por instrumentos e apenas uma ou duas pessoas para os tocar. Faz-me confusão, mas existem tantos exemplos de bom funcionamento a esse nível. No tempo dos Ik Mux assobiavam-nos apenas por termos uma caixa de ritmos em palco. Felizmente, as coisas mudaram.Dos vários projectos onde se viu envolvido, o que teve maior visibilidade foi os Da Weasel, que abandonou. Como está a viver o pós-Da Weasel?Os Bullet acabam por ser uma reacção a essa fase. O que me interessa, hoje, não é tanto a procura da acessibilidade, mas a procura de públicos específicos com os quais me possa identificar. Uma das coisas que me chateava nos Da Weasel era não me identificar com o público que ia aos concertos. A média de idades era baixa e sentia que não estava a fazer música para as pessoas que podiam sentir e pensar da mesma forma que eu. Nos Bizarra Locomotiva, Boris Ex-Machina, nos Balla ou, agora, com Bullet, sinto que estou a fazer música que gosto. Ao contrário de todos esses projectos, a criação de "The Lost Tapes" foi um processo solitário. Não sentiu falta da dinâmica colectiva?Cada vez mais vejo-me confrontado com a utopia de ter uma banda. É muito complicado. Desenvolvo ideias de forma muito rápida e quando as pessoas trazem as suas já estou numa fase diferente e quero fazer outras coisas. Ou então não consigo motivar as pessoas porque apresento as coisas muito produzidas. Não sei... A única forma de colaborar com músicos é ter ideias bem definidas e pedir-lhes para realizarem apontamentos ocasionais. Foi isso que aconteceu no álbum de Bullet com convidados como DJ Nel Assassin, Fuse, D-Mars ou Miguel Pereira. Interessa-me mais convidar músicos depois do trabalho estar desenvolvido. Dar-lhes liberdade, mas com base naquilo que já está feito. Neste momento não faz sentido ter uma banda.

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