"A voz é o instrumento mais próximo da alma"

Poucos dias nos separam de um dos mais aguardados concertos da temporada da Gulbenkian, mais concretamente do ciclo Grandes Orquestras Mundiais. Os bilhetes desapareceram há vários meses, pouco depois de terem sido postos à venda, e na próxima quarta-feira, dia 5, prevê-se que sejam muitos os melómanos a fazer uma tentativa desesperada de franquear as portas do Grande Auditório. Uma ópera de Haydn em versão de concerto ("Orlando Paladino") não é propriamente o tipo de programa que faz mover multidões, mas o caso muda de figura, quando os intérpretes são Nikolaus Harnoncourt e o Concentus Musicus de Viena e quando entre os solistas está a magnífica Cecilia Bartoli, uma das mais brilhantes e populares (no bom sentido do termo) estrelas do actual panorama musical. Dotada de um carisma extraordinário, uma técnica estonteante (quem, actualmente, além dela, consegue tal virtuosismo na coloratura?) e uma musicalidade deveras imaginativa, Bartoli teve (e continua a ter) o condão de levar ao grande público um repertório habitualmente reservado aos especialistas, como é o caso dos seus recentes discos consagrados a Vivaldi e Gluck. O Mil Folhas conversou com ela, em Berlim, onde se encontrava a participar numa produção do "D. Giovanni", em cena na Staatsoper, sob a direcção de Daniel Barenboim. Com um verdadeiro recorde na interpretação de personagens mozartianas, personificou desta feita uma D. Elvira enérgica e comovente, que nos emocionou quase até às lágrimas na ária "Mi tradì quell'alma ingrata". Mil Folhas - Em Lisboa irá participar na versão de concerto da ópera "Orlando Paladino", de Haydn, sob a direcção de Harnoncourt, um maestro muito importante na sua carreira ...CECILIA BARTOLI - Comecei a trabalhar com Harnoncourt há 12 anos. Fizemos "As Bodas de Fígaro" e o "Lucio Silla" em Viena. É um maestro com quem sinto uma grande cumplicidade. Foi também ele que me fez descobrir as óperas de Haydn. De Haydn conhece-se sobretudo a música instrumental, mas muito pouco o repertório operático, o que é uma pena. A minha primeira participação numa ópera de Haydn foi há sete anos. Tratava-se de "L'Anima del Filosofo" - a história de Orfeu e Eurídice, no fundo. Depois dessa experiência magnífica, continuámos com a "Armida" e agora chegou a vez de "Orlando Paladino". Acho que é uma ópera muito típica do espírito de Haydn. Tem muitos momentos dramáticos, mas também muitos momentos de grande humor. Faço apenas uma personagem, a Angelica. A música que Haydn lhe dedicou é muito bela, cheia de cores.Seria fácil imaginar os projectos em torno Vivaldi e Gluck em várias pequenas etiquetas discográficas que hoje se dedicam à música antiga, mas não propriamente na Decca, uma "major"...No caso de Vivaldi, acho que deram essa oportunidade um pouco para ser simpáticos. Nunca imaginaram que tivesse um sucesso tão grande. Estrategicamente, a própria editora começou a reflectir. Se Vivaldi vendeu mais de meio milhão de cópias - um disco com um repertório completamente desconhecido, que em teoria é completamente impopular! -, então é porque há uma vontade de descobrir novas coisas. Foi graças a Vivaldi que depois pude gravar um compositor como Gluck. E espero que Gluck possa ajudar o próximo compositor.Só pelo que ela me contou. Convidou-me diversas vezes, mas ainda não tive oportunidade de ir lá. Vi apenas fotografias. Sei que é tudo artesanal, que cultivam tudo, que até fazem azeite. Pareceu-me fantástico, o paraíso!

Sugerir correcção