FITEI celebra 25º aniversário em cenário de crise

A XXV edição do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, que hoje arranca no Porto, já sofre os males da apregoada crise. E o director do certame, António Reis, adivinha dias piores. O título do espectáculo de abertura - "Indecência Flagrante", de Moises Kaufmann - parece escolhido a dedo. "O FITEI nunca foi bem apoiado", desababa Reis. "Cada vez é mais difícil organizar o festival mais antigo do país", começa por frisar o director, no seu gabinete minúsculo e atulhado. Quando o FITEI nasceu, no rescaldo da Revolução de 25 de Abril de 1974, o Porto era quase um buraco negro cultural. O teatro de fora era uma miragem; os palcos de qualidade, outra. O festival só podia ser o que foi, isto é, "uma explosão", lembra Reis. Nesse tempo marcado pela inocência, o importante era trazer companhias. "Houve bons e péssimos espectáculos", mas o público, esfomeado, "queria sempre mais". "Os convidados dormiam em camaratas e comiam em cantinas, as pessoas faziam filas imensas e até se agrediam para ter um lugar", recorda o director. Com as alterações no panorama teatral portuense - novos festivais e o "boom" de companhias nos anos 90 -, o evento foi perdendo em quantidade e tornou-se mais selectivo quanto à sua programação.Hoje, "os 125 mil euros recebidos do Ministério da Cultura mal dão para pagar os 'cachets', e os convidados já dormem em hotéis e comem em restaurantes", sublinha António Reis. As despesas - os grupos brasileiros e africanos de expressão portuguesa tornaram-se a especificidade do festival - não param de crescer. E o público "já não vai a todas". O actor queria que esta edição se destacasse das anteriores, por serem os 25 anos. Esperanças defraudadas: "Todos os mecenas fizeram marcha-atrás nos apoios", em nome da famigerada crise económica, o que levou a recusar algumas "propostas interessantes". E anteontem, a dois dias da abertura do festival, António Reis ainda não tinha os 80 mil euros da Câmara do Porto, nem os 20 mil do Governo Civil."O FITEI nunca foi bem apoiado", lamenta o director. Nos primeiros anos, as entidades oficiais, entendendo o teatro como sinónimo de agitação, foram pouco receptivas. E houve mesmo assaltos a carrinhas e tentativas de incêndio. Com a afirmação do festival, os apoios foram-se tornando consistentes. Agora, em tempo de recessão, volta a temer-se o pior. "Não sou pessimista, sou realista, e é com mágoa que digo isto: no próximo ano, o FITEI pode ser pouco mais do que um festival de resistência", sustenta. "O FITEI tem contribuído decisivamente para o crescimento do gosto teatral na cidade. E vamos lutar até à exaustão para continuar a ser um festival de qualidade", frisa. Agora, não se pode ignorar que a crise tem efeitos sobre os mecenas e sobre o público. E "não se sabe o que vai acontecer no Ministério da Cultura e na câmara", explica. A lógica desta edição é a mesma que marcou a última década: "menos companhias, mais qualidade". A forte presença do Brasil é obra "do acaso". "Recebemos candidaturas em catadupa, mais de 200 por ano", afirma Reis. A selecção faz-se pela qualidade, pelo custo e pela preocupação de ter África representada. "Temos tido sempre excelentes propostas do Brasil, as que trazemos ao festival são diversificadas e intensas", salienta. Este ano, já a par com a crise, só com muita rebaixa foi possível trazer Ruth Escobar com uma versão de "Os Lusíadas", de Camões. "São 54 pessoas, uma deslocação dessas pesa muito no orçamento", nota. Do Brasil, chega ainda a Companhia do Latão, a Era Uma Vez, a Samir Yazbek e a Martim Cererê. De África, vem "As Viúvas da Nossa Terra", peça de Gilberto Mendes produzida pela moçambicana Companhia de Teatro Gungu; e "As Águas", uma co-produção da Academia Contemporânea do Espectáculo e da Bur-Bur, de Cabo Verde. "Se fosse pela qualidade técnica, só teríamos companhias portuguesas e espanholas", admite António Reis, alegando que, "ao longo destes anos, ninguém fez tanto pelo teatro africano como o FITEI". É certo que, nos primeiros tempos, esses países de expressão portuguesa apenas tinham dança e folclore para mostrar, mas isso mudou ao fim da terceira edição. Reis aposta que, hoje, companhias da Guiné-Bissau, Cabo Verde ou São Tomé representam com tal grau de verdade que as pessoas ficam "de boca aberta". No cartaz constam ainda uma companhia argentina (Cuatro Vientos), três espanholas (Teatro La Zaranda, Centro Andaluz de Teatro e colectivo L'Avalot Y Discipulos de Morales) e duas portuguesas (Teatro Experimental de Cascais e Companhia Maria Emília Correia). São mais de 400 participantes de 15 companhias (sem contar com os técnicos do Porto), para um festival de 13 dias.

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