Fecho do Centro Vidreiro de Oliveira de Azeméis deixa situação social grave

"Já arrumei o coração", desabafa, com tristeza, Rufino Santos, de 63 anos, que não acredita que alguma vez irá ver o dinheiro que o Centro Vidreiro de Oliveira de Azeméis, que fechou as portas a 30 de Novembro de 2000, lhe deve. São mais de dois mil euros que a empresa não pagou ao operário que lhe dedicou 45 anos. O antigo lapidário, que percorreu todas as secções, meteu o processo no Tribunal de Trabalho, apesar de não ter qualquer esperança de ver a cor do dinheiro. O seu colega Flávio Oliveira, de 64 anos, com mais de 30 de casa, ainda acreditou que o Centro Vidreiro iria cumprir com o prometido, quando propôs à empresa ir embora, depois de verificar que o trabalho começava a rarear. A empresa assegurou que lhe pagava o acordado, o que levou Flávio Oliveira a bater-lhe à porta, vezes sem conta, até mesmo depois de fechar. O esforço foi em vão. Desde o princípio de 2000, que o Centro Vidreiro de Oliveira de Azeméis começou a revelar alguma instabilidade financeira traduzida em consecutivos atrasos nos salários dos trabalhadores. No entanto, nem os funcionários que decidiram assinar o acordo de rescisão, quando temiam que os fornos se iriam fechar para sempre, nem mesmo os que resolveram partir para a via judicial, colocando a empresa no banco dos réus - onde ganharam o processo -, receberam qualquer montante. A agravar a situação, os antigos funcionários do Centro Vidreiro acusam a empresa de ter ficado com os descontos para a Segurança Social, meses antes da fábrica encerrar, o que fez baixar significativamente o montante que recebem do Fundo de Desemprego. Luís Filipe, com perto de 29 anos de casa, lembra que a sentença do tribunal já saiu, os trabalhadores ganharam e a administração "vai ter de pagar". Mas "até hoje, os trabalhadores não viram um tostão", lembra. "Esse indivíduo [o responsável da fábrica] deveria ir para a cadeia. As instituições portuguesas não têm consideração pelos trabalhadores", lamenta. "Os trabalhadores reclamam justiça. Ele, além de ser ladrão, é vigarista". "Ser ladrão não é só ir à carteira e aos bolsos dos trabalhadores", acrescenta. Segundo Luís Filipe, o administrador do Centro Vidreiro, Armando Costa Rego, é professor de História e, "por isso, enganou os trabalhadores com as suas histórias". E mesmo depois de várias missivas, nenhum dos ex-funcionários conseguiu que a direcção da empresa pagasse as dívidas. "Um foragido não pode voltar ao local do crime", refere, a propósito, Luís Filipe. "Nós nascemos aqui, as minhas filhas foram criadas aqui", conta com desalento Maria da Encarnação, com 57 anos. "Fiquei assim, sem nada, com 32 anos de trabalho". Os trabalhadores do Centro Vidreiro de Oliveira de Azeméis ficaram a saber da sua triste sina pelo motorista da empresa que lhes comunicou, a 30 de Novembro de 2000, que a fábrica ia entregar aos operários a carta para solicitarem o Fundo de Desemprego. Não é que a notícia fosse recebida com uma total surpresa, já que o fim da estrutura se vinha anunciando, mas a verdade é que os operários foram apanhados desprevenidos e ficaram com o coração nas mãos. Os trabalhadores concentraram-se à porta da fábrica, entre 1 e 20 de Dezembro de 2000. De nada adiantou. Nem receberam os vencimentos em atraso, nem conseguiram travar o encerramento da fábrica. Vinte e cinco mil euros, mais quinze mil. É a quantia que o casal António Silva e Belmira Santos têm a receber do Centro Vidreiro, depois de terem ganho o processo judicial contra a empresa. "Sentimos ainda dificuldades", conta António Silva que ao longo de 43 anos foi vidreiro na empresa que o deixou numa situação algo dramática. "Não meteu os descontos para a Segurança Social e estamos a receber menos", acrescenta. "Temos 50 e tal anos, quem é que nos quer agora", questiona a sua esposa, Belmira Santos que trabalhou no Centro Vidreiro 36 anos e oito meses. O descontentamento continua estampado nos rostos dos trabalhadores que foram colocados na rua, de um dia para o outro, com salários em atraso. E a insatisfação sobe de tom quando todo o espólio - entre as peças, encontrava-se o jarrão que esteve na Exposição do Mundo Colonial Português de 1940, considerado o ex-libris da empresa - desapareceu e os antigos operários dizem não saber por onde anda. Mas asseguram que daria para pagar os ordenados em atraso, as indemnizações e "ainda lhes sobrava dinheiro". Os pagamentos no Centro Vidreiro de Oliveira de Azeméis começaram a atrasar no início de 2000. "A empresa não apresentou justificação nenhuma, apenas o eterno problema da situação económica e financeira da fábrica", refere Joaquim Amorim, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Aveiro. "Elaborámos um processo e os trabalhadores meteram a empresa em tribunal por atrasos nos pagamentos. O processo foi julgado, a empresa foi condenada mas não pagou". Nove metalúrgicos têm para receber mais de 150 mil euros de ordenados que não foram pagos e indemnizações. Há alguns anos, a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis deu sinal verde para que o Centro Vidreiro urbanizasse parte da sua estrutura, mas sempre pensando que esta opção poderia fazer com que a indústria vidreira recuperasse das dificuldades que atravessava. A autarquia oliveirense pretendia que, em contrapartida, fosse construído um museu. Hoje, nem museu, nem património. E muito dificilmente a pretensão autárquica se concretizará, já que os antigos trabalhadores garantem que o espólio "desapareceu" e que muito provavelmente terá sido vendido ao desbarato. Todavia, face à situação da empresa, a direcção do Centro Vidreiro chegou a apresentar uma proposta à câmara para urbanizar o que falta da estrutura que foi encolhendo com o passar dos anos. Só que a edilidade não aceitou. "Não aceitámos que se urbanizasse de qualquer maneira e não vamos ceder a pressões mesmo a troco do património", garante o presidente da Câmara de Oliveira de Azeméis, Ápio Assunção. A história do vidro em Oliveira de Azeméis começa no século XVI, quando Pero Moreno deixa o Ribatejo e fixa-se na Quinta do Côvo, como hoje é conhecida. Um local ideal para o desenvolvimento da indústria vidreira. À volta do chão onde assenta o forno, existe o barro e a argila, matérias-primas para o fabrico do vidro. Para além disso, a lenha abundava na imensa floresta e a água do rio que nasce na encosta servia para movimentar o moinho hidráulico. Pelos documentos disponíveis, a primeira fábrica de que há memória a surgir no nosso país é precisamente a Fábrica do Côvo, que se estabeleceu em Oliveira de Azeméis ainda antes de 1484. E foi precisamente daqui que saíram muitos artistas que, mais tarde, impulsionaram a indústria do vidro na Marinha Grande. O Centro Vidreiro de Oliveira de Azeméis, que fechou a 30 de Novembro de 2000, foi a continuação da Fábrica do Côvo, tendo mesmo sido o introdutor, em Portugal, em 1928, do fabrico mecânico de frascaria para perfumes e embalagens farmacêuticas. Na década de 50, a estrutura empregava cerca de mil pessoas, sendo a principal entidade empregadora do município oliveirense. Havia também no Centro Vidreiro um aglomerado de habitações, baptizado como bairro social, com cerca de 50 casas, uma creche e escola, uma colónia balnear na praia do Furadouro, uma sala de espectáculos, um refeitório e um consultório médico. Actualmente, a maior parte dessa área já não existe.

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