Romário (1966), Goleador de veludo

Há três semanas que o Sporting anda numa festa que hoje "ameaça" prolongar-se. A canção mais usada nos festejos é deste ano e já todos, de todos os clubes, a sabemos de cor (o "Só eu sei...", etc, etc). Mas o hino oficial dos leões é e será a Marcha, escrita precisamente há 50 anos. E escrita de propósito para Maria José Valério, que continua a interpretá-la, passados todos estes anos, com emoção. Afinal, foi a primeira música que cantou em público. A Zezinha é uma figura carismática, divertida, irreverente e reconhecível pela sua madeixa verde. O Sporting é a sua segunda família.

Golos, praia e polémica são as constantes da vida de Romário Souza Faria, um avançado com pés de veludo, pensamento rápido e técnica em todo o corpo. Goleador por excelência, o "baixinho" foi a grande figura do Mundial de futebol de 1994, levando o Brasil à conquista do tão desejado tetracampeonato. Os suaves e elegantes remates do menino pobre do Rio de Janeiro escreveram, em solo norte-americano, o capítulo-mor da história de Romário, o salvador da Pátria.Vinte e quatro anos depois de Pelé e companhia terem ganho o Mundial de 70, passados cinco Campeonatos do Mundo de desilusão, o Brasil chegou finalmente ao almejado "tetra" pelos pés de um só jogador. Romário, o curioso goleador cuja baixa estatura (1,69 metros) não o impede de ser o segundo melhor marcador do futebol brasileiro (833 golos) e da selecção "canarinha" (63), apenas atrás do "Rei Pelé", autor de 1281 golos ao longo da carreira e 97 na equipa nacional.Mais apreciado pelos adeptos do que pelos treinadores, com quem se envolve em frequentes polémicas, Romário estreou-se na condição de salvador do Brasil a 19 de Setembro de 1993, na fase de qualificação para o Mundial dos Estados Unidos. Em situação difícil, o técnico Carlos Alberto Parreira chamou o avançado que brilhava no Barcelona. Dois golos do "baixinho" frente ao Uruguai (2-0) garantiram aos brasileiros o apuramento para o Mundial e fizeram o avançado prometer o "tetra". E Romário cumpriu a promessa. Jogando no seu "habitat" natural (a grande área) e ao lado de Bebeto, foi garantia de imaginação, golos e vitórias numa equipa com muita táctica e pouca arte. A importância de Romário foi tal que muitos especialistas consideram que desde Garrincha (Chile 62) e Maradona (México 86) um jogador não era tão decisivo na conquista de um campeonato do mundo. O ex-internacional Tostão, questionado se Romário teria lugar na mítica selecção de 70, respondeu: "Eu dava a minha [camisola] para ele".O Mundial dos Estados Unidos viu a melhor versão de Romário: a do solista, aquele que resolve o jogo. A equipa, qual orquestra, prepara as jogadas e depois, junto à área, entra em cena a técnica de um avançado explosivo em espaços curtos, capaz de descortinar rapidamente os defeitos do adversário e de encontrar a melhor maneira de entregar a bola às redes - com suavidade, é claro, num estilo mais próximo do passe que do remate. "O futebolista de desenhos animados", nas palavras do argentino Jorge Valdano, marcou nos três jogos da primeira fase (Rússia, Camarões e Suécia), fez o passe para o golo de Bebeto frente aos Estados Unidos (1-0 nos oitavos-de-final), foi decisivo nos jogos frente à Holanda (3-2 nos quartos-de-final) e à Suécia (1-0 nas meias-finais) e ainda cumpriu a missão de concretizar um penali no desempate que deu ao Brasil o título na final com a Itália. Ou seja, Romário foi determinante nos sete jogos da selecção e apenas não esteve em três dos 11 golos do Brasil: marcou cinco, a maioria com o letal toque com a ponta da bota, e fez três assistências."Não queriam um salvador da pátria? Não necessitavam de um herói? Pois já o têm", diria Romário, que regressou ao Brasil como o melhor jogador do Mundial 94, com o prometido "tetra" e feliz: "Necessito do futebol para mim, para chegar a casa com a cabeça limpa. O meu objectivo no futebol é fazer-me feliz. O nome do rival não me interessa". Ainda em 1994, Romário recebeu da FIFA a distinção de melhor jogador do mundo. Era mais um dos momentos marcantes da carreira de um jogador que, como tantos outros, saiu dos bairros pobres do Rio de Janeiro para se transformar num conhecido e rico futebolista. "Houve uma época em que passava pelas lojas e só podia olhar. Agora compro tudo o que quis comprar e não pude", diz o avançado, cuja imagem de marca são a finta em colher (com a parte interior do pé) e os subtis "chapéus" aos guarda-redes.Romário nasceu a 29 de Janeiro de 1966 em Jacarezinho, um bairro pobre carioca, e cedo os pais repararam na apetência do rapaz para o jogo da bola. Enfrentando amiúde a desconfiança dos técnicos por ser demasiado baixo para avançado - ainda hoje Romário diz que gostava de ser mais alto para não lhe chamarem "baixinho" -, o goleador começou no Olaria e estreou-se como profissional em 1985, ao serviço do Vasco da Gama, curiosamente o seu actual clube.A revelação à escala mundial surgiu em 1988, quando Romário foi o melhor marcador do torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Seul com sete golos. O Brasil alcançou a medalha de bronze e as exibições em terras da Coreia valeram-lhe a transferência para o PSV de Eindhoven. Na Holanda, ganhou quase tudo o que era possível: foi campeão europeu, embora não tenha jogado a final em que o PSV derrotou o Benfica no desempate por penaltis (aquela em que Veloso falhou uma grande penalidade), sagrou-se tricampeão holandês e melhor marcador por três vezes.A paragem seguinte no caminho do goleador foi o Barcelona de Johan Cruyff, para onde se transferiu em 1993/94. Ao lado de Stoichkov e Laudrup, Romário fez parte do "dream team" que deu ao "Barça" o título na Liga espanhola e a Taça do Rei, sagrando-se também melhor marcador do campeonato. Na época seguinte (94/95), a faceta problemática de Romário (saídas à noite, faltas a treinos) ofuscou os golos e o avançado quis regressar ao Brasil, transferindo-se para o Flamengo. Em 1996, haveria de regressar a Espanha, desta vez ao Valência, mas o estilo do brasileiro não foi aceite pelo técnico Luís Aragonés. Regressou então ao Flamengo, onde ficou até 1999, antes de se transferir para o Vasco da Gama, clube em que se sagrou campeão brasileiro em 2000.Além dos golos, das saídas à noite e do gosto pela boa comida e pela dança, a praia é uma das amigas inseparáveis de Romário. O "baixinho" é fanático por "futevólei" e prefere muitas vezes dar uns toques no areal a treinar no relvado. Colegas de equipas, treinadores e dirigentes já o acusaram de irresponsabilidade, mas é lá que ele afina a técnica que o consagrou como um dos melhores jogadores dos anos 90. Os fãs não querem saber das polémicas, das saídas à noite, dos caprichos. Querem é Romário na selecção. Do Rio a São Paulo, de Cuba a Portugal, os apreciadores do avançado desejam que o craque, mesmo aos 36 anos, volte a um Mundial. Já bastaram as lesões que só deixaram Romário jogar um encontro no Itália 90 e o excluíram do França 98. Mas Luiz Felipe Scolari, o actual técnico da selecção brasileira, tem resistido a tudo e todos: aos apelos dos adeptos, que até escrevem nas paredes, e às lágrimas de Romário, que chorou recentemente numa conferência de imprensa em que pediu para ir ao Mundial. O salvador quer voltar aos palcos de um Campeonato do Mundo, mas no avião para o Oriente não há lugar para os caprichos do maior goleador em actividade no futebol brasileiro.

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